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William Gibson - Paris Review

William Gibson concedeu à Paris Review uma longa e fantástica entrevista que entre outrxs foi citada por Bruce Sterling e Kevin Kelly. Pincei de lá os trechos a seguir, que traduzo livremente:

Cidades me parecem nossa tecnologia mais característica. Nós não nos tornamos realmente interessantes como espécie até que conseguimos fazer cidades - foi aí que tudo ficou diverso, porque não se podem fazer cidades sem um substrato de outras tecnologias. Existe uma matemática nisso - uma cidade não pode crescer além de um certo tamanho a não ser que se cultive, colha e armazene uma certa quantidade de comida nos arredores. E então não se pode crescer mais a não ser que se entenda como fazer esgotos. Se não há tecnologia eficiente de esgotos, a cidade chega a certo tamanho e todo mundo pega cólera.

(...)

Mas eu assumo que a transformação social é impelida principalmente por tecnologias emergentes, e provavelmente sempre foi assim. Ninguém legisla que as tecnologias devam emergir - parece ser uma coisa bem aleatória. E essa é uma visão da tecnologia que é diametralmente oposta daquela que eu recebi da ficção científica e da cultura popular da ciência quando eu tinha doze anos de idade.

Na era pós-guerra, além da ansiedade a respeito da guerra nuclear, nós pensávamos estar conduzindo a tecnologia. Hoje, é mais provável sentir que a tecnologia nos está conduzindo, conduzindo a transformação, e que isso está fora do controle. A tecnologia era vista anteriormente como linear e progressiva - evolutiva naquela visão equivocada que nossa cultura sempre preferiu ter de Darwin.

Entrevistador

Você não vê a tecnologia evoluindo desse jeito?

Gibson

O que eu vejo principalmente é a distribuição dela. Quanto mais pobre você é, mais pobre sua cultura é, menos alta tecnologia você deve encontrar, com exceção da internet, as coisas que você pode acessar no seu celular.

Nesse sentido, eu acho que ultrapassamos a era dos computadores. Você pode viver em uma aldeia do terceiro mundo sem esgoto, mas se você tiver os aplicativos certos então você pode ter algum tipo de participação em um mundo que de outra forma parece um futuro de Jornada nas Estrelas onde as pessoas têm bastante de tudo. E do ponto de vista do cara na aldeia, a informação está sendo transmitida desde um mundo onde as pessoas não precisam ganhar a vida. Eles certamente não têm que fazer as coisas que ele precisa fazer todo dia para ter certeza de que vai ter comida para estar vivo em três dias.

Desse lado das coisas, os Americanos podem ser perdoados por pensar que o passo das mudanças diminuiu, em parte porque o governo dos EUA não consegue fazer infraestrutura heroica não-militar há algum tempo. Antes e depois da Segunda Guerra, existia uma grande quantidade de construção de infraestrutura nos EUA que nos deu a forma espiritual do século americano. Eletrificação rural, o sistema de rodovias, as avenidas de Los Angeles - estavam entre as maiores coisas que tinham sido construídas no mundo até então, mas os EUA decaíram nisso.

Evertendo - Gibson

"Everter" não é um verbo comumente usado em português. Um dicionário online sugere que significa "Subverter, deitar abaixo, destruir, derrocar". Na verdade eu topei com o inglês [to] "evert" nas páginas do Spook Country, de William Gibson. Pra quem não sabe (alguém que me lê aqui ainda não sabe?), nos anos oitenta Gibson foi um dos principais autores da literatura cyberpunk, o escritor que notoriamente cunhou o termo "ciberespaço", que imaginou a "matrix" e tudo mais. Ainda não consegui decidir se gosto ou não de seus livros mais recentes - que se situam praticamente nos dias de hoje, não em futuros hipotéticos - mas é fato que ele é um garimpeiro de ideias que acabam estourando algum tempo depois. Então aquele "evert" ficou ali me cutucando. Descobri que em português se usa "Eversão" para descrever "um componente do movimento de pronação do pé". Mas fiquei tentado e acabei cedendo: alguns meses atrás decidi usar "Eversão" e "everter" como eixos de investigação sobre os espaços que se criam quando as redes se disseminam pelo mundo físico, sem fronteiras definidas. Aqui vai um trecho maltraduzido das páginas 65 e 66 do Spook Country:

"Como você entrou nisso?"

"Eu estava trabalhando com tecnologia GPS comercial. Cheguei naquilo porque achava que queria ser um astronauta, e tinha ficado fascinado por satélites. As maneiras mais interessantes de ver a malha do GPS, o que ela é, o que temos a ver com ela, o que podemos ter a ver com ela, pareciam estar sendo todas propostas por artistas. Artistas ou o exército. É uma coisa que tende a acontecer com novas tecnologias em geral: as aplicações mais interessantes aparecem no campo de batalha ou em uma galeria."

"Mas essa já era militar desde o começo."

"Claro", ele falou, "mas talvez os mapas também. A malha é simples assim. Muito básica para a maior parte das pessoas terem um entendimento dela".

"Uma pessoa me falou que o ciberespaço estava 'evertendo'. Foi assim que ela falou."

"Claro. E uma vez que ele everta, então não existe um ciberespaço, existe? Nunca existiu, se você quiser analisar dessa forma. Foi uma maneira de a gente visualizar para onde estávamos indo, uma direção. Com a malha, estamos aqui. Este é o outro lado da tela. Bem aqui."

Corro o risco de precisar explicar tudo isso cada vez que usar o termo, mas pretendo insistir por algum tempo porque não consigo pensar outra expressão que consiga traduzir isso. Ou procurei pouco?