A primeira idéia que vem à cabeça quando falamos de plataforma pode ser a de um objeto que "sustenta" alguma coisa, que funciona como um suporte para que alguma "ação" ocorra em cima dele. Graficamente podia ser algo mais ou menos assim:
O'Reilly diz que Web 2.0 é a Internet como plataforma, mas eu acho que não é no sentido descrito acima. Acho que tem mais a ver com essa imagem aqui:
O interessante da bota "como plataforma" é observar como existe uma relação de "formação" conjunta entre o pé, a perna, a bota. Dá pra imaginar que a bota, sem nenhum pé e perna dentro teria uma forma diferente, assim como o pé e a perna estariam em outra posição sem a bota: na interação entre eles emerge um resultado diferente do que era cada um, a princípio. Latour chamaria esse "ser" resultante de "mulher-bota".
O "uso" da bota pela mulher, por outro lado, também não é apenas um uso: ele é uma prática social. Reckvitz (2002) explica que práticas sociais podem ser entendidas como "uma combinação de comportamentos que incluem contexto, objetivo, discursos, atores e objetos". Ou seja, a rigor, usar uma bota não implica apenas saber andar de saltos. É uma atividade que implica/assume muitas outras coisas. E, efetivamente, todas essas coisas podem ser diferentes de acordo com cada situação: usar botas pode causar bem estar, dar segurança, pode ser uma imposição social. Botas podem ser usadas para outros fins também, como por exemplo alguém baixo que precisa pegar um objeto que está fora do seu alcance.
Quanto mais "aberta" for uma plataforma, mais fácil será criar novos usos, descobrir novas formas de construir sobre ela, de modificá-la. Uma bota, como vocês puderam perceber pelo meu exemplo "bobo" de flexibilidade interpretativa, não é uma plataforma muito aberta... O processo de se aproximar de uma plataforma, de poder mexer nela, de moldá-la, viver com ela, sobre ela, a esse processo podemos chamar de apropriação.
Chris Pinchen fala nesse artigo sobre a cidade como plataforma, e sobre como as novas tecnologias estão aos poucos permitindo que surja uma nova idéia de cidade, uma "cidade aberta", essencial em um mundo no qual "cidades terão que simultaneamente sobreviver numa economia global, adaptarse ao cambio climático, integra um tsunami de imigrantes rurais ou estrangeiros, além de ter que lidar com outros inumeráveis desafios e oportunidades. Essas questões vão muito além da capacidade e escopo de quase qualquer governo - e sem mencionar as prefeituras quase-sempre-sem-dinheiro".
Na "cidade aberta", cidadãos hackeiam não só o sistema, mas também o espaço físico, construindo um resultado que faz mais sentido para suas vidas. As tecnologias contribuem, dão voz, se adaptam e colaboram com novas possibilidades que antes não existiam.
O "espaço público", nesse contexto, não é o que está sendo hackeado, mas exatamente o que está sendo construído nesse processo. É uma reapropriação de uma plataforma que havia ficado endurecida, com usos pré-determinados. O espaço da "esfera pública" era um canto "inflexível".
Para terminar, o José Antonio, que está fazendo um experimento bem interessante no CitiLab, escreveu um post hoje que exemplifica de forma muito clara, e lírica, o que pode ser uma plataforma aberta, e quais seus benefícios.
qua, 26/08/2009 - 17:56
sex, 12/06/2009 - 13:08
parabéns gostei muito da relação entre as plataformas :) pensar tecnologia aberta com o espaço físico da cidade é um sonho que devemos alcançar..
ter, 16/06/2009 - 10:39
"me ilusiona" muita essa idéia da cidade como plataforma, e em fazer esses paralelos que colocam cada dia mais o digital perto, emaranhado, pertencente, ao físico. nas cidades, mas também fora delas...