Continuando um assunto dos últimos dois posts: há uns meses fui convidado para uma conversa em sampa sobre medialabs. Não pude estar presente, mas mandei umas considerações por email. Alguns argumentos são os mesmos do último post, mas aqui eu dissertei mais sobre eles:
Quero primeiro me apresentar: sou Felipe Fonseca, um dos fundadores da rede MetaReciclagem, que conta com algumas centenas de pessoas em todo o Brasil atuando na apropriação crítica de tecnologias da informação para finalidades diversas: arte, educação, transformação social, etc. Trabalhei nos primeiros anos da ação Cultura Digital no projeto Cultura Viva do Minc, e hoje sou um dos articuladores do núcleo Desvio do Weblab.tk, que atua principalmente com experimentação em novas mídias. Também sou um dos criadores da rede internacional Bricolabs, que conta com integrantes em todo o mundo.
Nos últimos anos, tive um contato bastante grande com projetos de laboratórios de mídia. Após ter participado do festival Mídia Tática Brasil, em São Paulo, fui convidado a falar no Next 5 Minutes (Amsterdam, 2003), quando conheci os integrantes plataforma Waag-Sarai. Waag é um dos laboratórios de novas mídias que emergiu em Amsterdam e dialogou bastante com o universo conceitual de mídia tática (representado, entre outros, por teóricos como Geert Lovink e David Garcia). Sarai é uma organização de Nova Déli, na Índia, que recebeu apoio do Waag para estabelecer-se como laboratório de novas mídias. Em 2004, inseri nesse contexto a MetaReciclagem, respondendo a uma chamada aberta da plataforma Waag-Sarai que buscava projetos de medialabs em países em desenvolvimento.
Na época, estávamos atuando diretamente com a rede de telecentros de São Paulo e começando a implementação dos Pontos de Cultura. Nossa proposta foi, a partir dessa potencial multiplicidade de espaços, dissolver a própria ideia de laboratórios de mídia: queríamos investir esforços não em estabelecer (mais) um laboratório de mídia, mas sim desenvolver uma metodologia descentralizada, em rede, que ocupasse os espaços que continuariam se multiplicando. Assim fizemos, e a rede MetaReciclagem se espalhou por todo o Brasil (e recentemente ganhou o prêmio de mídias livres do minc). Ainda dentro do escopo da plataforma Waag-Sarai, participei ativamente do desenvolvimento do descentro (que também conta com tatiana wells e ricardo ruiz, que fizeram um centro de mídia na lapa, rio de janeiro, antes de isso ser moda no brasil), uma organização sem fins lucrativos registrada com integrantes e subsedes em diferentes regiões do país, e que também adota princípios efetivos de descentralização e articulação em rede.
Nos anos seguintes, participei de uma série de eventos ligados de uma forma ou outra a diferentes medialabs em Amsterdam, Berlim, Barcelona, Madrid, Londres, Paris e outros. Junto com um holandês e uma britânica, criei a rede Bricolabs, que conta com mais de uma centena de integrantes, muitos deles ligados a projetos ou centros de mídia em algum lugar do mundo: waag e minilab (amsterdam), free space (manchester), london media lab, hangar (barcelona), eyebeam (nova york), medialab prado (madrid), fo-am (bruxelas), tesla e c-base (berlim), honf (jacarta), tmplab (paris), v2 (rotterdam), freaknet (sicília/amsterdam), uke (croácia), e outros.
Nos tempos atuais, qualquer esforço relacionado a medialabs precisa ser muito bem pensado. Se o medialab do MIT era emblemático de uma maneira de viabilizar ações, a tentativa do MIT de criar uma réplica na Irlanda foi um fracasso. O modelo norte-americano tem uma ênfase em estrutura, centralização e articulação com a indústria (inclusive a indústria bélica, é bom lembrar) que pode não funcionar em outros lugares. Por outro lado, os projetos que têm atraído atenção e dinamizado produção efetiva atualmente têm uma ênfase muito maior em se configurarem como espaços de contato, troca e articulação do que necessariamente proporcionarem acesso a infra-estrutura. Ainda mais em tempos de abundância de recursos. Há alguns meses escrevemos uma provocação para uma instituição artística comentando isso:
"Em março passado, durante uma das sessões do Paralelo (http://paralelo.wikidot.com), o inglês Mike Stubbs questionou qual era o papel de um centro de artes nos dias de hoje. A pergunta pode ser estendida para o contexto dos medialabs: em um cenário no qual o acesso a tecnologias de produção e publicação de mídias está cada vez mais facilitado, um cenário em que as redes abertas fazem a informação circular diretamente entre as pessoas, qual a razão de existir um laboratório de mídia? A dinâmica do trabalho criativo tem se transformado de forma cada vez mais rápida, e a estratégia "build it and they'll come" não faz mais sentido. Para incentivar a produção criativa, é necessária uma sensação de liberdade de apropriação e de gestão compartilhada, no sentido da reconstrução da própria idéia de espaço público. Mais do que oferecer simplesmente uma estrutura, os medialabs mais interessantes de hoje em dia - hangar, medialab prado, eyebeam, entre outros - engajam-se em diálogo cada vez mais aberto e crítico com o meio com o qual se relacionam, e tornam-se espaços de referência e intercâmbio, cabeças de rede, muito mais agenciando conversas do que expressando sua própria perspectiva.
Esse diálogo reside potencialmente em qualquer espaço, desde que se baseie em uma posição de abertura autêntica. Em um primeiro momento, toda conversa nesse sentido vai parecer a reafirmação de posições já existentes: as pessoas vão reclamar da mesma coisa que já reclamaram, colocar demandas que já sabem que têm. Mas trabalhando alguns fatores-chave é possível ir além e construir uma conversa propositiva de ocupação e apropriação coletivas de espaços simbólicos."
PS.: o núcleo desvio está começando a elaborar um plano de intercâmbio com organizações como o medialab prado, a tesla de berlim e o access space de sheffield para construir uma rede de pesquisa em tecnologias de prototipagem - fablabs, repraps e outras maneiras de transformar bits em átomos. estamos disponíveis para conversar sobre possíveis ações no âmbito dos medialabs, se for levado em conta esse aspecto importante da criação de redes e de dinamização de processos criativos, mais do que a mera cessão de estruturas.
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Rodrigo Savazoni respondeu:
Felipe,
Obrigado. Fundamental a tua contribuição.
Eu te questionaria sobre duas coisas, apenas, em relação às tuas experiências dos últimos anos:
1. Você acha que seria válido termos no Brasil uma rede de espaços com o que há de "mais avançado" em tecnologias digitais? Por exemplo, espaço de exposições preparado com um hiperwall, uma cave, ou seja, infra para visualização de ponta? Além disso, nesse mesmo sentido, seria interessante um equipamento dotado de tecnologias que os artistas digitais não acessam, e por isso não podem com eles experimentar: isso faz sentido?
2. Você acha que, nesse mesmo sentido, um espaço público ser responsável por investigar e produzir a infra-estrutura ideal para a criação em rede é algo válido? Por exemplo, a Funarte São Paulo será uma das instituições a receberem a conexão multigigabit da RNP. Com isso, com a possibilidade de oferecer conexões de 1 a 10 gigabit, será um espaço privilegiado para a criação em rede. Há esse desejo de experimentar com bandas muito largas entre os artistas e realizadores multimídia?
E eu voltei:
1) minha dúvida é se isso pode ser considerado o "mais avançado". de certa forma, os artistas que querem trabalhar com essas coisas acabam prevendo orçamento pra isso e constróem a estrutura exata que precisam (como a rejane cantoni e o leonardo crescenti fizeram no MIS pra peça "Solar"). acho que se um lab for investir em uma estrutura assim, vai ter que escolher duas ou três possibilidades, e isso também constitui uma limitação. De certa forma fetichiza a relação: vou criar uma obra para aquela tecnologia. Hoje em dia, com dois projetores e um controle de Wii dá pra fazer miséria. Outro problema de ter uma estrutura específica é como escolher os projetos que vão usar. Sou mais partir pra multiplicidade, com encontros periódicos de troca de conhecimento (como fazem o Hangar em Barça e o NYC Resistor). Acho que investir em alta tecnologia é potencializar essa multiplicidade. Por exemplo: esses encontros podem ser transmitidos pela web, se pans com meia dúzia de câmeras simultâneas, e o cara que tá assistindo tem o suíte na hora, pode escolher interativamente qual câmera quer assistir. Dá pra pensar em mecanismos de controle de direcionamento de câmeras também, que dê pra controlar pela rede motores que apontam a câmera para algum lugar (ou automatizar isso com sensores de movimento ou coisa assim). Mas tudo isso pra abrir potencial de indeterminação, e as pessoas que ocupam o espaço que decidam como usar tecnologia. A gente tá em pleno momento de paradoxo de nível de desenvolvimento nesse mundo de arte eletrônica. O que mais tá crescendo - diy, arduino, software livre - vai na direção oposta da "alta tecnologia". Como construir um caminho equilibrado ali, que dê estrutura mas seja vivo, em vez de grandes monumentos vazios?
2) Na real a questão da banda larga, se for no sentido de distribuição, já tem soluções alternativas: o streaming por icecast usa pouca banda do cliente até o servidor, e só depois se espalha. Bit torrent também. Posso estar enganado, mas acho que largura de banda não é essencial para o tipo de criação que tá rolando hoje em dia. Um uso potencial que nunca andou é sincronização imediata: uma banda poder tocar junta em diferentes lugares. Mas todos os lugares precisariam estar na mesma rede, e mesmo assim haveria um delay (acho que dá pra pensar em alternativas pra isso também, criando buffers locais, mas preciso de alguém mais racional pra pensar direito nisso).
Daí que insisto: a superbanda da RNP é importante, mas não acho essencial. A mera disponibilização de banda não vai fazer o pessoal sair de seus estúdios na vila madalena e ir até a Funarte. Precisa mais do que isso: frequência/periodicidade, autonomia/indeterminação, pessoas/temas relevantes.
Pra mim, pessoalmente, um medialab na funarte seria um bom espaço pra levar meus amigos gringos pra visitar. E pra fazer um debate por mês sobre gambiarra e apropriação.
seg, 13/06/2011 - 10:05
seg, 13/06/2011 - 10:03
seg, 01/02/2010 - 10:34
sab, 05/12/2009 - 18:25
Eu entendo e concordo com os argumentos, efe, mas por outro lado acho bacana contrastar também as experiências positivas de uso da tecnologia dita "avançada", e como explorar a relação espaço/rede pode proporcionar resultados interessantes. Minha experiência pessoal é com o CitiLab, aqui em Barcelona, que tem uma configuração muito interessante: eles ocupam um prédio, uma fábrica de tecelagem, que foi inteiramente construído para ser "fluido": as paredes se movem, e quando não se movem são de vidro, os espaços são abertos e quem tiver interesse pode ocupar esses espaços.
Nesse sentido, acho que o interessante de um medialab, como você colocou no outro post, é que ele não seja uma estrutura fechada como uma proposta aberta, mas que a própria estrutura e construção sejam feitas dentro deste princípio. E por que? Para que possa ser um lugar de fazer redes, como você falou. Ou seja, um espaço físico que promova a criação dessas ligações. Nesse sentido concordo que mais do que última tecnologia, o interessante é equipá-lo com recursos que permitam interligações.