OBS: Fiz uma viagem curta à Europa em busca de intercâmbio entre iniciativas de cultura digital, arte e apropriação crítica de tecnologias. Agradeço ao programa de Intercâmbio do Ministério da Cultura do Brasil pelo apoio oferecido.
O festival Future Everything 2010 (antigo FutureSonic, onde também estive em 2008) resolveu levar a sério o princípio de reinventar o formato da conferência internacional para tempos hiperconectados e ecologicamente conscientes. No coração da programação para esse ano estava a Glonet, um grande intercâmbio em tempo real entre Japão, Reino Unido, Brasil e Canadá. Foram realizados paineis conjuntos entre Manchester e cada uma dessas localidades.
No Brasil, um pessoal estava no MASP, fazendo apresentações e participando da apresentação de Manchester. Foi uma costura interessante entre o Future Everything, British Council e o Arte.Mov. Lucas Bambozzi coordenou as mesas desde o Brasil. Foi a primeira vez que vi videoconferência remota realmente funcionando: havia uns gaps, uma ou outra falha de áudio, mas no geral rolou muito bem. Assisti à abertura em sampa, tive que sair durante a apresentação do Wisnik e depois vi as falas da Giselle Beiguelman e do Cícero Silva.
Lá pelo meio da Glonet com sampa, eu tive vinte minutos para uma apresentação. Em alguns aspectos, foi parecida com a minha apresentação na Lift, mas com uma ênfase especial em alguns pontos, e algumas questões melhor trabalhadas até por conta do feedback que tive depois de Genebra. Tentei pegar um pouco mais a questão da cidade como referencial que a gente herdou da matriz europeia sem ter passado pelo mesmo processo de evolução e acomodação ao longo dos séculos ou milênios, e passei menos tempo detalhando a história da MetaReciclagem. No começo, parece que falei rápido demais (estava rolando uma tradução no Brasil, coisa que eu não tinha imaginado que ia rolar), e em alguns pontos tivemos alguns problemas de áudio.
Depois que eu falei, abrimos para comentários, e recebi alguns comentários direto do Brasil. Por algum tempo, só vi o Lucas comentando sem áudio, mas consegui pegar no final ele falando sobre como muitas vezes o software livre é acompanhado de uma atitude que não é livre. É verdade, mas isso não é inerente ao software livre - vem das pessoas, e é com elas que precisa ser resolvido. Ele também mencionou que no começo havia muito mais criatividade e efervescência acontecendo nessa esfera, e aí eu discordo totalmente. Ainda vejo muita coisa muito interessante acontecendo, ainda que com outras pessoas.
Cícero Silva criticou um certo exoticismo quando eu falava da gambiarra: questionou se fazendo isso a gente não está desviando das questões mais importantes e nos colocando como inferiores de certa forma - o que levaria os "países ricos" a nos dar algum dinheiro pra fazer nossas macaquices enquanto eles continuavam seu próprio ritmo. Eu consigo ver a lógica do argumento dele, que também é parecida com uma crítica que eu já ouvi em relação à MetaReciclagem logo no começo: "só porque é inclusão digital a galera não merece computador novo?". Na hora respondi pro Cícero que se funcionar como estratégia pros "países ricos" darem dinheiro pra gente, eu não reclamo. Mas eu também acho mais algumas coisas: a minha defesa da gambiarra como habilidade criativa essencial, como traço da inovação cotidiana que pode sim influenciar os processos industriais, não exclui outras possibilidades conceituais e experimentais. Me interesso pelo tipo de tecnologia que pode ser desenvolvida quando se reconhece que as pessoas têm muita criatividade só esperando pelas ferramentas certas. Mas nunca me coloquei como porta-voz de toda a cultura eletrônica no Brasil. Tem gente fazendo coisas muito avançadas, que não se relacionam muito com o DIY, o hardware livre, o improviso e a eterna dança da invenção em meio à precariedade. Mas eu não tenho nenhuma obrigação de falar sobre essas coisas - falo do que me interessa, onde for relevante. Quanto a isso, o moderador Adam Greenfield afirmou depois que achou interessante e inspiradora a perspectiva da gambiarra (sempre engraçado ouvir o pessoal tentando falar "gambiarra" e "metareciclagem").
Mais um participante do Brasil comentou alguma coisa sobre sociedade descentralizada e em rede, e no fim perguntou "who will rule it". Na hora, achei que ele tinha perguntado "quem vai mandar" e respondi longamente dizendo que não sabia. Mas agora acho que ele pode ter tentado questionar "quem vai fazer as regras". E isso é outro debate em si. Espero que as regras possam ser feitas cada vez mais a partir de princípios e padrões abertos e colaborativos, mas isso é uma luta grande e cada vez mais feia.
Tapio Makela, que precisou sair antes de a sessão acabar, mais tarde me perguntou se o enquadramento em uma imagem nacional seria uma estratégia, uma tática ou uma realidade. Eu acho que são as três coisas: uma direção deliberada para influenciar como as coisas acontecem tanto no âmbito interno quanto externo - coisas que apesar de toda a integração vão continuar existindo enquanto existirem fronteiras -; uma invenção cotidiana feita para subverter a microescala das estratégias alheias; e com certeza a compreensão de que diferentes dinâmicas sociais acabaram por influenciar o entendimento que xs brasileirxs temos de nós mesmxs e do nosso lugar no mundo.
Durante os três dias que estive em Manchester, ainda dei uma circulada pela cidade e pude ver um pouco da programação paralela do Festival. Algumas coisas bem interessantes, como a máquina de fazer música o Syncomasher do Moldover no primeiro andar do Contact Theatre, e as peças expostas no pub do Palace Hotel - como a Monitored Landscape no. 16, de Robin Tarbet, que montou uma cidade com pedaços de eletrônicos. Também fiz uma visita ao Arc Space, mas isso vai ser assunto pra um post no blog da MetaReciclagem.
Pra quem quer ver mais:
- Texto da minha apresentação
- Slides da minha apresentação
- Fotos durante o Future Everything
- Todas minhas fotos em Manchester
- Mais sobre minha passagem pelo Reino Unido
Atualizando: acabei nem comentando sobre o Contact Theatre, o nó principal do festival. É uma construção meio estranha, mas com uma programação muito interessante - bastante música independente, festivais alternativos e tal. Me perdi algumas vezes nos corredores para as salas, e gostei. A cerveja é boa e a comida razoável.