cyberpunk http://desvio.cc/taxonomy/term/71/all pt-br Evertendo - Gibson http://desvio.cc/blog/evertendo-gibson <p>&quot;<em>Everter</em>&quot; n&atilde;o &eacute; um verbo comumente usado em portugu&ecirc;s. Um dicion&aacute;rio online <a href="http://www.dicio.com.br/everter/">sugere</a> que significa &quot;Subverter, deitar abaixo, destruir, derrocar&quot;. Na verdade eu topei com o ingl&ecirc;s [to] &quot;evert&quot; nas p&aacute;ginas do <a href="http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/externo/index.asp?id_link=3850&amp;tipo=2&amp;isbn=014101671x">Spook Country</a>, de William Gibson. Pra quem n&atilde;o sabe (algu&eacute;m que me l&ecirc; aqui ainda n&atilde;o sabe?), nos anos oitenta&nbsp;Gibson foi um dos principais autores da literatura <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Cyberpunk">cyberpunk</a>, o escritor que notoriamente cunhou o termo &quot;ciberespa&ccedil;o&quot;, que imaginou a &quot;matrix&quot; e tudo mais. Ainda n&atilde;o consegui decidir se gosto ou n&atilde;o de seus livros mais recentes - que se situam praticamente nos dias de hoje, n&atilde;o em futuros hipot&eacute;ticos - mas &eacute; fato que ele &eacute; um garimpeiro de ideias que acabam estourando algum tempo depois. Ent&atilde;o aquele &quot;evert&quot; ficou ali me cutucando. Descobri que em portugu&ecirc;s se usa &quot;Evers&atilde;o&quot; para descrever &quot;<a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Evers%C3%A3o">um componente do movimento de prona&ccedil;&atilde;o do p&eacute;</a>&quot;. Mas fiquei tentado e acabei cedendo: alguns meses atr&aacute;s decidi usar &quot;Evers&atilde;o&quot; e &quot;everter&quot; como eixos de investiga&ccedil;&atilde;o sobre os espa&ccedil;os que se criam quando as redes se disseminam pelo mundo f&iacute;sico, sem fronteiras definidas. Aqui vai um trecho maltraduzido das p&aacute;ginas 65 e 66 do Spook Country:</p> <blockquote> <p>&quot;Como voc&ecirc; entrou nisso?&quot;</p> <p>&quot;Eu estava trabalhando com tecnologia GPS comercial. Cheguei naquilo porque achava que queria ser um astronauta, e tinha ficado fascinado por sat&eacute;lites. As maneiras mais interessantes de ver a malha do GPS, o que ela &eacute;, o que temos a ver com ela, o que podemos ter a ver com ela, pareciam estar sendo todas propostas por artistas. Artistas ou o ex&eacute;rcito. &Eacute; uma coisa que tende a acontecer com novas tecnologias em geral: as aplica&ccedil;&otilde;es mais interessantes aparecem no campo de batalha ou em uma galeria.&quot;</p> <p>&quot;Mas essa j&aacute; era militar desde o come&ccedil;o.&quot;</p> <p>&quot;Claro&quot;, ele falou, &quot;mas talvez os mapas tamb&eacute;m. A malha &eacute; simples assim. Muito b&aacute;sica para a maior parte das pessoas terem um entendimento dela&quot;.</p> <p>&quot;Uma pessoa me falou que o ciberespa&ccedil;o estava &#39;<em>evertendo</em>&#39;. Foi assim que ela falou.&quot;</p> <p>&quot;Claro. E uma vez que ele everta, ent&atilde;o n&atilde;o existe um ciberespa&ccedil;o, existe? Nunca existiu, se voc&ecirc; quiser analisar dessa forma. Foi uma maneira de a gente visualizar para onde est&aacute;vamos indo, uma dire&ccedil;&atilde;o. Com a malha, estamos aqui. Este &eacute; o outro lado da tela. Bem aqui.&quot;</p> </blockquote> <p>Corro o risco de precisar explicar tudo isso cada vez que usar o termo, mas pretendo insistir por algum tempo porque n&atilde;o consigo pensar outra express&atilde;o que consiga traduzir isso. Ou procurei pouco?</p> http://desvio.cc/blog/evertendo-gibson#comments cyberpunk eversão everter gibson Sat, 01 Oct 2011 02:13:33 +0000 efeefe 210 at http://desvio.cc Cyberpunk de chinelos http://desvio.cc/blog/cyberpunk-de-chinelos <blockquote><em>Escrevi isso para o Simp&oacute;sio de Arte Contempor&acirc;nea que vai acontecer no fim do m&ecirc;s no <a href="http://www.pacodasartes.org.br/Paco_das_Artes/home.html">Pa&ccedil;o das Artes</a>, em Sampa. Tamb&eacute;m vou mediar uma mesa sobre &quot;Redes Sociais, Arquivo e Acesso&quot;.</em></blockquote> <p>O mundo virou <a href="http://marioav.blogspot.com/2009/07/sempre-fui-cyberpunk.html">cyberpunk</a>. Cada vez mais as pessoas fazem uso de dispositivos eletr&ocirc;nicos de registro e acesso &agrave;s redes - c&acirc;meras, impressoras, computadores, celulares - e os utilizam para falar com parentes distantes, para trabalhar fora do escrit&oacute;rio, para pesquisar a receita culin&aacute;ria exc&ecirc;ntrica da semana ou a balada do pr&oacute;ximo s&aacute;bado. Telefones com GPS mudam a rela&ccedil;&atilde;o das pessoas com as ideias de localidade e espa&ccedil;o. M&uacute;ltiplas infra-estruturas de rede est&atilde;o dispon&iacute;veis em cada vez mais localidades. Essa acelera&ccedil;&atilde;o tecnol&oacute;gica n&atilde;o resolveu uma s&eacute;rie de quest&otilde;es: conflito &eacute;tnico/cultural e tens&atilde;o social, risco de colapso ambiental e lixo por todo lugar, precariedade em v&aacute;rios aspectos da vida cotidiana, medo e inseguran&ccedil;a em toda parte. Mas ainda assim embute um grande potencial de transforma&ccedil;&atilde;o.</p> <p>O rumo da evolu&ccedil;&atilde;o da tecnologia de consumo at&eacute; h&aacute; alguns anos era &oacute;bvio - criar mercados, extrair o m&aacute;ximo poss&iacute;vel de lucro e manter um ritmo auto-suficiente de crescimento a partir da explora&ccedil;&atilde;o de inova&ccedil;&atilde;o incremental, gerando mais demanda por produ&ccedil;&atilde;o e consumo. Em determinado momento, a mistura de competi&ccedil;&atilde;o e gan&acirc;ncia causou um desequil&iacute;brio nessa equa&ccedil;&atilde;o, e hoje existem possibilidades tecnol&oacute;gicas que podem ser usadas para a busca de autonomia, liberta&ccedil;&atilde;o e auto-organiza&ccedil;&atilde;o - n&atilde;o por causa da ind&uacute;stria, mas pelo contr&aacute;rio, apesar dos interesses dela. As ruas acham seus pr&oacute;prios usos para as coisas, parafraseando <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Gibson">William Gibson</a>. Em algum sentido obscuro, as corpora&ccedil;&otilde;es de tecnologia se demonstraram muito mais in&aacute;beis do que sua contrapartida ficcional: perderam o controle que um dia imaginaram exercer.</p> <p>O tipo de pensamento que deu subst&acirc;ncia ao movimento do software livre possibilitou que os prop&oacute;sitos dos fabricantes de diferentes dispositivos fossem desviados - roteadores de internet sem fio que viram servidores vers&aacute;teis, computadores recondicionados que podem ser utilizados como terminais leves para montar redes, telefones celulares com wi-fi que permitem fazer liga&ccedil;&otilde;es sem precisar usar os servi&ccedil;os da operadora. Um mundo com menos intermedi&aacute;rios, ou pelo menos um mundo com intermedi&aacute;rios mais inteligentes - como os sistemas colaborativos emergentes de mapeamento de tend&ecirc;ncias baseados na abstra&ccedil;&atilde;o estat&iacute;stica da cauda longa.</p> <p>Por outro lado, existe tamb&eacute;m a rea&ccedil;&atilde;o. Governos de todo o mundo - desde os pa&iacute;ses obviamente autorit&aacute;rios como o Ir&atilde; at&eacute; algumas surpresas como a Fran&ccedil;a - t&ecirc;m tentado restringir e censurar as redes informacionais. O espectro do grande irm&atilde;o, do controle total, continua nos rondando, e se refor&ccedil;a com a sensa&ccedil;&atilde;o de inseguran&ccedil;a estimulada pela grande m&iacute;dia - a quem tamb&eacute;m interessa que as redes n&atilde;o sejam assim t&atilde;o livres.</p> <p>Nesse contexto, qual o papel da arte? Em especial no Brasil, qual vem a ser o papel da arte que supostamente deveria dialogar com as tecnologias - arte eletr&ocirc;nica, digital, em &quot;novas&quot; m&iacute;dias? V&ecirc;em-se artistas reclamando e demandando espa&ccedil;o, consolida&ccedil;&atilde;o funcional e formal, reconhecimento, infra-estrutura, forma&ccedil;&atilde;o de p&uacute;blico. S&atilde;o demandas justas, mas nem chegam a passar perto de uma quest&atilde;o um pouco mais ampla - qual o papel dessa arte na sociedade? Essa &quot;nova&quot; classe art&iacute;stica tem alguma no&ccedil;&atilde;o de qual &eacute; a sociedade com a qual se relaciona?</p> <p>&Eacute; recorrente uma certa proje&ccedil;&atilde;o dos circuitos europeus de arte em novas m&iacute;dias, como se quisessem transpor esses cen&aacute;rios para c&aacute;. N&atilde;o levam em conta que todos esses circuitos foram constru&iacute;dos a partir do di&aacute;logo entre arte e os anseios, interesses e desejos de uma parte da popula&ccedil;&atilde;o que &eacute; expressiva tanto em termos simb&oacute;licos como quantitativos. Se formos nos ater &agrave; defini&ccedil;&atilde;o objetiva, o Brasil n&atilde;o tem uma &quot;classe m&eacute;dia&quot; como a europeia. O que geralmente identificamos com esse nome n&atilde;o tem tamanho para ser m&eacute;dia. Aquela que seria a classe m&eacute;dia em termos estat&iacute;sticos n&atilde;o tem o mesmo acesso a educa&ccedil;&atilde;o e forma&ccedil;&atilde;o. &Eacute; paradoxal que a &quot;classe art&iacute;stica&quot; demande que as institui&ccedil;&otilde;es e governo invistam em forma&ccedil;&atilde;o de audi&ecirc;ncia, mas se posicione como alheia a essa forma&ccedil;&atilde;o, como se s&oacute; pudesse se desenvolver no dia em que a &quot;nova classe m&eacute;dia&quot; for suficientemente educada para conseguir entender a arte, e suficientemente pr&oacute;spera para consumi-la.</p> <p>Muita gente n&atilde;o entendeu que n&atilde;o s&oacute; o Brasil n&atilde;o vai virar uma Europa, como o mais prov&aacute;vel &eacute; que o <a href="http://desvio.weblab.tk/blog/tudo-%C3%A9-brasil">mundo inteiro esteja se tornando um Brasil</a> - simultaneamente desenvolvido, hiperconectado e prec&aacute;rio. N&atilde;o entendeu que o Brasil &eacute; uma na&ccedil;&atilde;o <em>cyberpunk de chinelos</em>: passamos mais tempo online do que as pessoas de qualquer outro pa&iacute;s; desenvolvemos uma grande habilidade no uso de ferramentas sociais online; temos computadores em doze presta&ccedil;&otilde;es no hipermercado, lanhouses em cada esquina e celulares com bluetooth a pre&ccedil;os acess&iacute;veis, o que transforma fundamentalmente o cotidiano de uma grande parcela da popula&ccedil;&atilde;o - a tal &quot;nova classe m&eacute;dia&quot;. Grande parte dessas pessoas n&atilde;o tem um vasto repert&oacute;rio intelectual no sentido tradicional, mas (ou justamente por isso) em n&iacute;vel de apropria&ccedil;&atilde;o concreta de novas tecnologias est&atilde;o muito &agrave; frente da elite &quot;letrada&quot;.</p> <p>Para desenvolver ao m&aacute;ximo o potencial que essa habilidade espont&acirc;nea de apropria&ccedil;&atilde;o de tecnologias oferece, precisamos de subs&iacute;dios para desenvolver consci&ecirc;ncia cr&iacute;tica. Para isso, o mundo da arte pode oferecer sua capacidade de abrang&ecirc;ncia conceitual, questionamento e s&iacute;ntese. Vendo dessa forma, as pessoas precisam da arte. Mas a arte precisa saber (e querer) responder &agrave; altura. Precisa estar disposta a sujar os p&eacute;s, misturar-se, sentir cheiro de gente e construir di&aacute;logo. Ensinar e aprender ao mesmo tempo. Ser&aacute; que algu&eacute;m ainda acredita nessas coisas simples e fundamentais?</p> http://desvio.cc/blog/cyberpunk-de-chinelos#comments arte cyberpunk gambiologia Wed, 30 Sep 2009 20:00:24 +0000 efeefe 76 at http://desvio.cc