gambiologia http://desvio.cc/taxonomy/term/25/all pt-br Oslodum http://desvio.cc/blog/oslodum <p><img align="right" alt="" src="/sites/desvio.cc/files/images/Captura de tela de 2015-09-26 01_46_27.png" width="350" />Meu texto em ingl&ecirc;s sobre gambiarra e cultura maker foi publicado novamente, agora na <a href="https://tvergasteinjournal.wordpress.com/articles/">Tvergastein</a>, baseada em um centro de pesquisa ligado &agrave; Universidade de Oslo. Esta edi&ccedil;&atilde;o da publica&ccedil;&atilde;o tinha por tema &quot;Leaving the box - Entrepreneurship, Innovation and Initiatives&quot;. Para quem me l&ecirc; em portugu&ecirc;s via internet meu papo j&aacute; est&aacute; manjado, mas para quem quiser dar uma olhada nos outros textos da publica&ccedil;&atilde;o pode <a href="http://issuu.com/tvergasteinjournal/docs/content_final">checar aqui</a> ou esperar que uma c&oacute;pia impressa vai aparecer no <a href="http://ubalab.org">Ubalab</a> nas pr&oacute;ximas semanas.</p> http://desvio.cc/blog/oslodum#comments gambiologia publicações Sat, 26 Sep 2015 04:51:07 +0000 efeefe 241 at http://desvio.cc Meio-relato: residência na VCUQatar, em Doha http://desvio.cc/blog/meio-relato-residencia-na-vcuqatar-em-doha <p>Como j&aacute; relatei anteriormente <a href="http://desvio.cc/blog/chegando-doha">aqui neste blog</a>, passei em novembro de 2014 duas semanas em Doha, capital do Catar. Fui a convite do mestrado em design da <a href="http://www.qatar.vcu.edu/mfa">VCUQatar</a>, no papel de designer residente. O tema da minha resid&ecirc;ncia era &quot;repair culture&quot;.</p> <p>Desde que retornei do Qatar, estou rabiscando um relato de viagem. Daqueles relatos longos e detalhados que eu costumo fazer (como <a href="http://ubalab.org/blog/diario-do-ventre-da-besta-parte-1">este</a> ou <a href="http://desvio.cc/blog/rol%C3%AA-parte-1-velhomundo-continental">este</a>). Mas n&atilde;o saiu. Pode ser a falta de chuvas, pode ser o tempo curto em meio a um monte de tarefas profissionais, volunt&aacute;rias e epis&oacute;dios novos na vida. Ou pode ser o fato de que eu ainda nem decidi se escrevo Catar ou Qatar. Mas por enquanto vou deixar de lado o relato mais longo, e publico aqui somente alguns apontamentos.</p> <p><img alt="" src="https://farm6.staticflickr.com/5611/15057220983_c67f805b7b_z_d.jpg" /></p> <p>Doha me impressionou menos pelas diferen&ccedil;as do que pelas semelhan&ccedil;as com um certo estilo de vida brasileiro e em especial paulistano. Meus anfitri&otilde;es na universidade, ambos europeus, chegaram a me perguntar o que eu tinha achado do tratamento VIP que recebi em Doha - hotel, refei&ccedil;&otilde;es, motorista, ar condicionado. Fiquei algo constrangido de admitir que, ainda que inconfort&aacute;vel, n&atilde;o tinha estranhado aquela situa&ccedil;&atilde;o tanto quanto eles. Al&eacute;m disso, a cidade avessa a pedestres, os shopping centers, a cafonice dos pr&eacute;dios brilhantes que mudam de cor e o consumismo e ostenta&ccedil;&atilde;o, t&atilde;o ris&iacute;veis quanto previs&iacute;veis, tamb&eacute;m cheiram muito &agrave; capital paulistana. Como se Doha fosse um retrato do que S&atilde;o Paulo pode se tornar se uma s&eacute;rie de decis&otilde;es erradas continuarem a ser tomadas. Mas a pior piada que surgiu foi que, j&aacute; naquela &eacute;poca, a deserta Doha tinha mais acesso a &aacute;gua do que a S&atilde;o Paulo que um dia foi <a href="https://www.youtube.com/watch?v=Fwh-cZfWNIc">recortada por rios</a>.</p> <p><img alt="" src="https://farm9.staticflickr.com/8617/15877631011_70bc48c091_z_d.jpg" /></p> <p>Existem in&uacute;meras peculiaridades sobre o Catar que podem ser encontradas na <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Qatar">wikipedia.</a> Certamente despontam algumas diferen&ccedil;as em rela&ccedil;&atilde;o a outros pa&iacute;ses da regi&atilde;o. As quase duas d&eacute;cadas de reinado do Emir <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Hamad_bin_Khalifa_Al_Thani">Hamad Al Thani</a> (e de igual ou possivelmente maior import&acirc;ncia, de sua esposa <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Mozah_bint_Nasser_al-Missned">Mozah</a>) fizeram o pa&iacute;s se diferenciar na regi&atilde;o. O Catar hoje tem o trig&eacute;simo primeiro IDH no mundo (o maior do mundo &aacute;rabe). Mulheres podem estudar (e vou falar mais sobre isso em seguida). A <a href="http://qma.org.qa/">institui&ccedil;&atilde;o cultural do Qatar</a> tem o segundo maior or&ccedil;amento de cultura no mundo (ok, quase totalmente gasto com ostenta&ccedil;&atilde;o, mas ainda assim uma posi&ccedil;&atilde;o not&aacute;vel). O pa&iacute;s criou e sustenta a <a href="http://www.aljazeera.com/">Al-Jazeera</a>, que eu passei a assistir quando estava por l&aacute; e me impressionou por tratar de maneira abrangente temas dif&iacute;ceis. Os habitantes do pa&iacute;s n&atilde;o pagam impostos, e os cidad&atilde;os locais t&ecirc;m educa&ccedil;&atilde;o e sa&uacute;de de gra&ccedil;a. &Eacute; claro que, aqui, surge uma quest&atilde;o importante. Os cidad&atilde;os s&atilde;o uma minoria - cerca de trezentos mil num universo que beira os dois milh&otilde;es de habitantes. Nem, de um lado, os executivos ou trabalhadores do conhecimento ocidentais, nem de outro os trabalhadores bra&ccedil;ais, de com&eacute;rcio e servi&ccedil;os do sudeste asi&aacute;tico e outros pa&iacute;ses &aacute;rabes, costumam ter o direito de naturalizar-se. Existe um regime de classes bastante marcado em Doha. Um motorista de Bangladesh, por exemplo, provavelmente n&atilde;o seria admitido em um pubs dos hoteis internacionais para bebericar uma cerveja que &eacute; proibida em qualquer outro estabelecimento do pa&iacute;s. Eu gostaria de afirmar que situa&ccedil;&otilde;es id&ecirc;nticas n&atilde;o acontecem em S&atilde;o Paulo, mas n&atilde;o tenho tanta certeza assim.</p> <p>A universidade, que fica dentro da Education City de Doha, era um mundo &agrave; parte. Fui muito bem recebido pelos professores <a href="http://www.qatar.vcu.edu/people/thomas-modeen">Thomas Modeen</a> e <a href="http://www.qatar.vcu.edu/people/marco-bruno">Marco Bruno</a>. Trabalhei com um grupo de dez estudantes dos dois anos do mestrado. Eram oito meninas e dois garotos. De dez nacionalidades distintas, mas ningu&eacute;m do Catar. Egito, Barein, Kuwait, Fran&ccedil;a, Palestina, Estados Unidos, Canad&aacute;, Bangladesh, Paquist&atilde;o e Sud&atilde;o. Grande parte daquela turma n&atilde;o teria oportunidades de estudar em seus pr&oacute;prios pa&iacute;ses. Com uma &uacute;nica exce&ccedil;&atilde;o, o restante era de mu&ccedil;ulmanos. Todo mundo muito criativo, competente e bem preparado. Boa parte deles vinha da arquitetura ou design de moda. A faculdade tem todo tipo de laborat&oacute;rio - de fotografia, v&iacute;deo, fabrica&ccedil;&atilde;o digital, joalheria, um reposit&oacute;rio de materiais, e por a&iacute; vai. E a biblioteca &eacute; deliciosa.</p> <p><img alt="" src="https://farm9.staticflickr.com/8641/15748870439_019f1fcd79_z_d.jpg" /></p> <p>Meu per&iacute;odo de resid&ecirc;ncia come&ccedil;ou com algumas conversas sobre lixo, descarte e reuso. O pessoal j&aacute; tinha uma boa no&ccedil;&atilde;o das quest&otilde;es cr&iacute;ticas nessas &aacute;reas, mas nunca tinha sido uma prioridade para eles pensar nesses temas. Exibi e conversamos sobre alguns v&iacute;deos - ilha das flores, obsolesc&ecirc;ncia programada, lixo extraordin&aacute;rio, digital handcraft.</p> <p>Debatemos um pouco sobre uma quest&atilde;o que me parece essencial. Segue abaixo um rascunho do que deve voltar em breve como um texto &agrave; parte.</p> <blockquote> <p>A tal &quot;cultura maker&quot; surgiu, ao menos em parte, em cen&aacute;rios que costumavam apontar para o reuso e o conserto como fundamentais para garantir futuros mais sustent&aacute;veis. Mas hoje em dia parece que tudo isso foi deixado de lado e que todo esse universo de hype est&aacute; voltado para criar prot&oacute;tipos - feitos de pl&aacute;stico derretido de dif&iacute;cil reciclagem - de novos produtos. Como se o mundo j&aacute; n&atilde;o tivesse objetos fabricados em demasia!</p> <p>A mim, parece absurdo que as tecnologias de fabrica&ccedil;&atilde;o digital n&atilde;o estejam fundamentalmente voltadas para se pensar maneiras de continuar usando objetos que j&aacute; est&atilde;o por a&iacute;. Me parece inadequado e falso enquadr&aacute;-las na refer&ecirc;ncia de uma &quot;nova era industrial&quot;. A era industrial trouxe, &eacute; certo, avan&ccedil;os important&iacute;ssimos para a humanidade. Mas gerou tamb&eacute;m aliena&ccedil;&atilde;o, desigualdade e impacto ambiental profundos. Chega de dar sobrevida &agrave; era industrial - precisamos de outros modelos de produ&ccedil;&atilde;o e distribui&ccedil;&atilde;o. O crescimento do interesse da opini&atilde;o p&uacute;blica por alimenta&ccedil;&atilde;o org&acirc;nica, tratamento de lixo, habilidades manuais e afins me parecem ser o contrabalan&ccedil;o dessa tend&ecirc;ncia, e precisamos ter isso em mente.</p> </blockquote> <p>Enfim, tivemos a oportunidade de debater estas quest&otilde;es (e o fato de eu conseguir resumi-las em dois par&aacute;grafos &eacute; um dos maiores frutos da minha resid&ecirc;ncia na VCUQ), e decidimos as a&ccedil;&otilde;es para as duas semanas que eu ficaria por l&aacute;. Em primeiro lugar, visitar&iacute;amos alguns artes&atilde;os que ainda produzem coisas com as pr&oacute;prias m&atilde;os - marceneiros, alfaiates, tapeceiros, etc. A ideia era conversar sobre seu of&iacute;cio, habilidades, ferramentas, forma&ccedil;&atilde;o e afins. Far&iacute;amos o mesmo com pessoas que consertavam coisas - principalmente sapateiros e relojoeiros. Tamb&eacute;m planejamos sa&iacute;das a um cemit&eacute;rio de pneus e um cemit&eacute;rio de autom&oacute;veis, ambos no meio do deserto.</p> <p><img alt="" src="https://farm9.staticflickr.com/8662/15747034898_21249d8421_z_d.jpg" /></p> <p>A pesquisa de campo deu muitos resultados. O &uacute;nico sen&atilde;o foi o cemit&eacute;rio de autom&oacute;veis, que s&oacute; pudemos ver do lado de fora porque chegamos depois do hor&aacute;rio de visita&ccedil;&otilde;es. Mas de resto, fizemos excelentes entrevistas, conversas e imagens.</p> <p>Outra atividade que nos propusemos a desenvolver foi um Repair Cafe dentro da VCUQ. Em uma sociedade de alto poder aquisitivo e praticamente sem nenhuma preocupa&ccedil;&atilde;o com o descarte apropriado de objetos sem uso, pareceu-nos interessante desenvolver um encontro voltado ao conserto e ao reuso. Tivemos dois dias - um para receber os materiais e outro para explorar possibilidades com eles. Trabalhamos tamb&eacute;m com objetos encontrados no cemit&eacute;rio de pneus. Sa&iacute;mos com uma s&eacute;rie de objetos reaproveitados, e mais do que isso com algumas indica&ccedil;&otilde;es de como organizar uma metodologia colaborativa voltada ao conserto de coisas.</p> <p>Os &uacute;ltimos dias foram dedicados a organizar a documenta&ccedil;&atilde;o de meu per&iacute;odo por l&aacute;, que resultou em uma publica&ccedil;&atilde;o digital. Tenho ainda que rever meu texto de introdu&ccedil;&atilde;o, que ainda n&atilde;o est&aacute; perfeito, e em breve vou agitar para fechar essa publica&ccedil;&atilde;o. Assim que rolar, publico por aqui.</p> <p>De resto, faltam todos os meus apontamentos culturais e do cotidiano do Catar. Esses eu deixo para contar pessoalmente, talvez ao aroma do caf&eacute; turco que trouxe de l&aacute;. Mas voltei satisfeito de ter tocado uma s&eacute;rie de quest&otilde;es importantes e de ter conhecido bastante gente interessante e que ainda vai fazer muita coisa pelo mundo afora.</p> <p><img alt="" src="https://farm8.staticflickr.com/7541/15311272494_1cac41b7f4_z_d.jpg" /></p> <p>E ainda reencontrei na sincronicidade uma amiga que n&atilde;o via fazia tempo, vi o sol descer nas dunas, tomei caf&eacute; numa tenda &aacute;rabe no deserto. Fui ao shopping, ao supermercado, ao mercado central. Nos fones de ouvido estiveram principalmente a trilha sonora de <a href="http://www.imdb.com/title/tt0345061/?ref_=fn_al_tt_1">C&oacute;digo 46</a> e o <a href="https://duckduckgo.com/l/?kh=-1&amp;uddg=http%3A%2F%2Fdjspooky.com%2Farticles%2Fvenice_2007.php">Ghost World do Dj Spooky</a>. Ah, e tenho muito mais fotos no <a href="https://www.flickr.com/photos/felipefonseca/sets/72157649068360535/">flickr</a>.</p> <p><strong>P.S.:</strong> publiquei tamb&eacute;m mais algumas anota&ccedil;&otilde;es junto a outro <a href="http://redelabs.org/blog/lab-ars-electronica-itu-telecom-doha-catar">post no blog redelabs</a>.</p> http://desvio.cc/blog/meio-relato-residencia-na-vcuqatar-em-doha#comments gambiologia lifelog qatar repair culture residências trip vcuq Tue, 20 Jan 2015 05:51:24 +0000 efeefe 238 at http://desvio.cc Chegando a Doha http://desvio.cc/blog/chegando-doha <p><img alt="" src="/sites/desvio.cc/files/images/2014-10-30 03_44_06.jpg" width="600" /></p> <p>H&aacute; alguns meses fui convidado a vir em novembro a Doha, capital do Catar, como designer residente junto ao curso de Mestrado em Design da VCU. O convite faz parte de uma s&eacute;rie de a&ccedil;&otilde;es de interc&acirc;mbio entre o Brasil e o Catar que est&atilde;o sendo desenvolvidas ao longo deste ano. Vou ficar duas semanas trabalhando com um grupo de estudantes com quest&otilde;es de descarte, reuso, conserto e afins. Como j&aacute; escrevi no <a href="/blog/gambiarra-studies">come&ccedil;o da semana</a>, espero durante estes dias trabalhar com a ideia de uma &quot;cultura de conserto&quot; como cr&iacute;tica &agrave; tal &quot;cultura de fabrica&ccedil;&atilde;o&quot; que vem na esteira dos makerspaces e das impressoras 3D.</p> <p>Desenvolver isso no Catar est&aacute; me parecendo apropriado, para minha surpresa. A chegada repentina do Petr&oacute;leo por aqui criou uma sociedade de consumo que veio totalmente de cima para baixo. O pa&iacute;s tem muito dinheiro: o maior ou segundo maior PIB per capita, o melhor IDH da regi&atilde;o, o segundo maior investimento em arte do mundo. Por tr&aacute;s do investimento em arte e cultura, ali&aacute;s, est&aacute; uma organiza&ccedil;&atilde;o chefiada uma princesa hoje com 31 anos de idade, que j&aacute; <a href="http://www.ted.com/talks/sheikha_al_mayassa_globalizing_the_local_localizing_the_global">falou sobre diversidade no TED</a>. Mas todo esse dinheiro pode ter trazido de forma muito mais acelerada um processo que a gente j&aacute; apontou no Brasil - a substitui&ccedil;&atilde;o da sabedoria do fazer, do consertar e do adaptar pelo mero consumo. Se uma coisa quebrou, eu compro outra.</p> <p>N&atilde;o sei se isso realmente acontece por aqui, mas essa &eacute; uma das coisas que vamos investigar durante os pr&oacute;ximos dias. Quero crer que mesmo com o acesso a brinquedos mais caros, continua existindo o impulso de adaptar e fazer as coisas, como o cara da <a href="http://www.youtube.com/watch?v=u3R47DhF75k">moto iluminada</a>. Encontrei esse v&iacute;deo, ali&aacute;s, quando pesquisava sobre o <a href="http://www.dazeddigital.com/music/article/15037/1/al-qadiri-al-maria-on-gulf-futurism">Gulf Futurism</a>, uma provoca&ccedil;&atilde;o que n&atilde;o me parece bem resolvida mas mostra um pouco da tens&atilde;o entre os grandes planos que acompanharam o gigantesco crescimento econ&ocirc;mico e a vida das pessoas. Vou deixar para contar em outro post mais narrativo, mas j&aacute; adianto que depois de dar umas voltas por aqui n&atilde;o paro de associar Doha com S&atilde;o Paulo. As duas cidades parecem ter muito em comum (para al&eacute;m da piada com a falta de chuvas, ok?), mas em velocidades muito diferentes.</p> <p>Volto logo com as primeiras impress&otilde;es.</p> http://desvio.cc/blog/chegando-doha#comments catar Doha futurismo do golfo gambiologia trip VCU Fri, 31 Oct 2014 21:33:47 +0000 efeefe 236 at http://desvio.cc Gambiarra studies http://desvio.cc/blog/gambiarra-studies <p>Nesta quinta embarco para o Catar para uma resid&ecirc;ncia, a convite da <a href="http://www.qatar.vcu.edu/">VCUQatar</a>. Vou passar duas semanas l&aacute; com um grupo de estudantes do <a href="http://www.qatar.vcu.edu/mfa">mestrado em design</a> da VCU, tratando de gambiarra. Para mim &eacute; uma oportunidade de articular minimamente o discurso da &quot;cultura de conserto&quot; que me parece uma cr&iacute;tica necess&aacute;ria &agrave; tal &quot;cultura maker&quot;. Vamos ver o quanto d&aacute; pra avan&ccedil;ar sobre isso.</p> http://desvio.cc/blog/gambiarra-studies#comments catar gambiarra gambiologia projetos residências Mon, 27 Oct 2014 11:58:14 +0000 efeefe 235 at http://desvio.cc Fabricação, conserto e "porque dá" http://desvio.cc/blog/fabricacao-conserto-e-porque-da <p>Raquel Renn&oacute; mandou pela <a href="https://www.facebook.com/raquel.renno1/posts/10152349315779856">rede social do capeta</a> um bom artigo no Medium com o t&iacute;tulo &quot;<a href="https://medium.com/re-form/just-because-you-can-doesnt-mean-you-should-252fdbcf76c8">Yes we can. But should we?</a>&quot;, que levanta uma vis&atilde;o um pouco mais cr&iacute;tica pra toda a coisa da &quot;cultura maker&quot;. Traduzindo livremente um trecho:</p> <blockquote> <p>Parece haver uma confus&atilde;o conceitual sobre o que a impress&atilde;o 3D possibilita ou n&atilde;o. Ela nos permite encantar uma crian&ccedil;a de quatro anos criando praticamente do nada um mini Darth Vader? Sim, permite. Mas o objeto n&atilde;o se materializa do nada. Uma impressora 3D consome de cinquenta a cem vezes mais energia el&eacute;trica para fazer um objeto do que o processo de inje&ccedil;&atilde;o de pl&aacute;stico moldado. Al&eacute;m disso, as emiss&otilde;es de uma impressora 3D de mesa s&atilde;o similares a queimar um cigarro ou cozinhar em um fog&atilde;o a g&aacute;s ou el&eacute;trico. E o material escolhido para todas essas novas coisas que estamos clamando por fazer &eacute; esmagadoramente o pl&aacute;stico. De certo modo, &eacute; um deslocamento ambiental para o lado inverso, contrapondo-se a leis recentes para reduzir o uso de pl&aacute;stico que banem sacolas pl&aacute;sticas e estimulam a reformula&ccedil;&atilde;o de embalagens. Ao mesmo tempo em que mais pessoas levam sacolas de tecido para o supermercado, o pl&aacute;stico se acumula em outros campos, da Techshop &agrave; Target.</p> </blockquote> <p>De fato, a moda corrente da tal &quot;cultura maker&quot; exibe algumas caracter&iacute;sticas dignas de questionamento. Uma delas &eacute; justamente essa orienta&ccedil;&atilde;o ao &quot;make&quot;, que cristaliza com vocabul&aacute;rio o h&aacute;bito de &quot;fazer&quot; coisas, mas &eacute; usualmente interpretado simplesmente como &quot;fabricar novas coisas&quot;. N&atilde;o que a cultura maker tenha sido assim desde o in&iacute;cio. Ainda acho que existia um romantismo nos primeiros tempos (bem capturado no <a href="http://desvio.cc/blog/fazedorxs">Makers</a> de Cory Doctorow), em que a &ecirc;nfase vinha de fazer as coisas com as m&atilde;os, experimentar, desviar usos, aproveitar ao m&aacute;ximo os recursos &agrave; volta. Um esp&iacute;rito que por esses lados a gente aproxima da gambiarra (aqui um monte de <a href="http://desvio.cc/tag/gambiologia">posts</a> e <a href="http://links.metareciclagem.org/tags.php/gambiologia">links</a> sobre &quot;gambiologia&quot;, que tamb&eacute;m &eacute; o nome do <a href="http://gambiologia.net">coletivo mineiro</a>).</p> <p>Mas daquilo que inicialmente surgia como postura cr&iacute;tica ao consumismo exacerbado, a assim chamada cultura maker hoje parece ter virado somente mais um produtinho na grande prateleira das ideias prontas para vender no capitalismo hiperconectado. A&iacute; um monte de gente com seus Macbooks se junta para comprar <a href="http://makerbot.com/">Makerbots</a> e ficar brincando de inventar o novo produto que vai estourar nos mercados. E no meio do caminho jogam fora um monte de pl&aacute;stico derretido para prototipar o melhor suporte de ipad do mundo.</p> <p>Nem vou falar de novo sobre o desperd&iacute;cio de oportunidades quando os talentos voltam-se somente ao mercado. J&aacute; falei isso <a href="http://efeefe.no-ip.org/livro/lpd/inovacao-tecnologias-livres-2">em 2011</a>, e n&atilde;o vi muita coisa mudar desde ent&atilde;o:</p> <blockquote> <p>Hoje em dia, jovens de cidades pequenas que t&ecirc;m potencial precisam <em>migrar para grandes centros</em> em busca de oportunidades. &Eacute; raro que voltem, o que leva a uma esp&eacute;cie de <em>&ecirc;xodo criativo</em>. Mesmo aqueles que chegam &agrave;s cidades grandes tamb&eacute;m precisam fazer uma escolha dif&iacute;cil: podem <em>vender seu talento criativo ao mercado</em> - por vezes de maneira equilibrada, mas em muitos casos limitando-se a ajudar quem tem dinheiro a ganhar mais dinheiro; ou ent&atilde;o trocar seu futuro por capital especulativo. Podem tamb&eacute;m tentar usar suas habilidades para ajudar a sociedade - mas para isso precisam conviver com precariedade e instabilidade. Essa &eacute; uma <em>condi&ccedil;&atilde;o insustent&aacute;vel</em> para um pa&iacute;s que tanto precisa de inova&ccedil;&atilde;o e criatividade. Por que raz&atilde;o uma pessoa jovem, criativa, talentosa e consciente n&atilde;o encontra maneiras vi&aacute;veis de usar essas qualidades para ajudar a sociedade? Alguma coisa est&aacute; errada. E n&atilde;o me interessa que isso seja verdade no mundo inteiro. Estamos em uma &eacute;poca de transforma&ccedil;&otilde;es e de expectativas altas.</p> </blockquote> <p>Mas al&eacute;m desse v&iacute;cio no mercado e no vocabul&aacute;rio da ind&uacute;stria (fabrica&ccedil;&atilde;o, prot&oacute;tipos, e de carona v&ecirc;m junto o p&uacute;blico-alvo, a guerrilha e todas aquelas deprimentes met&aacute;foras b&eacute;licas), essas iniciativas passam longe de qualquer preocupa&ccedil;&atilde;o com sustentabilidade. E olha que j&aacute; existem constru&ccedil;&otilde;es conceituais muito interessantes no m&iacute;nimo para refletir, como o <a href="http://www.cradletocradle.com/">cradle to cradle</a> (que por mais inexequ&iacute;vel que seja oferece ao menos bons argumentos para refletir sobre as finalidades dos esfor&ccedil;os criativos). E a impress&atilde;o que tenho aqui no Brasil &eacute; que se est&aacute; jogando fora a gambiarra (que &eacute; nossa, tropicalizada, prec&aacute;ria e adapt&aacute;vel) por uma imagem idealizada de cultura maker limpinha dos labs do primeiro mundo. Sendo que a gambiarra parece ter muito mais pot&ecirc;ncia do que a linguagem dos prot&oacute;tipos industriais, como <a href="http://medialab-prado.es/article/gambiarra">sugeriu o Gabriel Menotti</a>. Aqui um <a href="http://redelabs.org/livro/labs-no-mundo">trecho da minha disserta&ccedil;&atilde;o</a> sobre isso:</p> <blockquote> <p>Para o pesquisador brasileiro Gabriel Menotti (MENOTTI, 2010), o prot&oacute;tipo &eacute; um objeto cr&iacute;tico de sua pr&oacute;pria fun&ccedil;&atilde;o. Em outras palavras, o prot&oacute;tipo s&oacute; existiria enquanto etapa anterior &agrave; concretiza&ccedil;&atilde;o da vers&atilde;o definitiva de um produto. Entretanto, &agrave; medida em que a topologia da fabrica&ccedil;&atilde;o se modifica - como parece ser o caso com a cultura maker - a utiliza&ccedil;&atilde;o da ideia de prot&oacute;tipo induziria a um prematuro encerramento de possibilidades dos objetos, com a nega&ccedil;&atilde;o de seus diversos usos potenciais. Afirmar um objeto como prot&oacute;tipo implica assumir que ele tem uma exist&ecirc;ncia funcional definida de antem&atilde;o. Menotti sugere a necessidade de pensar outras defini&ccedil;&otilde;es para os objetos resultantes da criatividade aplicada &agrave;s novas tecnologias de fabrica&ccedil;&atilde;o digital. Para ele a gambiarra, ao contr&aacute;rio do prot&oacute;tipo, caracterizaria o objeto improvisado cuja individua&ccedil;&atilde;o &eacute; realizada pelo pr&oacute;prio usu&aacute;rio, possivelmente mais adequada a tempos p&oacute;s-industriais. No limite, a perspectiva da gambiarra estimula uma maior diversidade de maneiras de apropria&ccedil;&atilde;o e inven&ccedil;&atilde;o, a partir da explora&ccedil;&atilde;o de indetermina&ccedil;&otilde;es materiais. Em outras palavras, aumentam-se as possibilidades criativas &agrave; medida em que se recusa o encerramento e delimita&ccedil;&atilde;o das fun&ccedil;&otilde;es poss&iacute;veis para determinado objeto ou conjunto de objetos. Mais do que replicar em escala local os processos industriais, &eacute; poss&iacute;vel pensar em outras formas de relacionamento com as tecnologias digitais de confec&ccedil;&atilde;o e transforma&ccedil;&atilde;o de objetos. Focar no conserto em vez da fabrica&ccedil;&atilde;o pode ser uma via potente de inven&ccedil;&atilde;o e resist&ecirc;ncia.</p> </blockquote> <p>E para continuar na viagem egoc&ecirc;ntrica (como j&aacute; fui categorizado por um mala por a&iacute;), mais um trecho da disserta&ccedil;&atilde;o:</p> <blockquote> <p>De fato, em uma &eacute;poca na qual a humanidade produz quantidades imensas e crescentes de lixo cuja propor&ccedil;&atilde;o potencial de reciclagem pode no m&aacute;ximo manter-se est&aacute;vel, a mera sugest&atilde;o de multiplicarem-se os meios de fabrica&ccedil;&atilde;o de novos objetos deveria ser profundamente questionada. A alternativa, utilizar as tecnologias de fabrica&ccedil;&atilde;o para produzirem-se pe&ccedil;as que possibilitem a reutiliza&ccedil;&atilde;o de materiais, equipamentos e objetos, n&atilde;o encontra tanta repercuss&atilde;o na m&iacute;dia de tecnologia (e ainda menos, como &eacute; de se esperar, na de neg&oacute;cios).</p> <p>Sintomaticamente, <a href="http://refab-space.org/">James Wallbank</a> afirma que a impressora 3D &eacute; o mais complexo e menos &uacute;til dos equipamentos que tipicamente constituem um lab de fabrica&ccedil;&atilde;o. Em suas vers&otilde;es acess&iacute;veis, ela tem baixa resolu&ccedil;&atilde;o - resultando em objetos com apar&ecirc;ncia de inacabados, bruto. Os objetos produzidos raramente s&atilde;o recicl&aacute;veis. E a gera&ccedil;&atilde;o de arquivos para produzir objetos com elas exige o dom&iacute;nio de mais conhecimento abstrato e softwares espec&iacute;ficos. Ainda assim, Wallbank sugere que a impressora 3D fala ao imagin&aacute;rio e aos desejos de futuro de camadas maiores da popula&ccedil;&atilde;o. Para ele, entretanto, a cortadora laser &eacute; um dos equipamentos com maior potencial de gerar inova&ccedil;&atilde;o concreta, uma vez que j&aacute; pode entregar produtos acabados ou semiacabados. Costuma contar o caso de um designer gr&aacute;fico desempregado que frequentava o ReFab Space e projetou um modelo de caixa para o minicomputador Raspberry Pi. Com o n&uacute;mero de encomendas recebidas, ele montou uma oficina com algumas cortadoras laser, que utiliza para fabricar as caixas. J&aacute; teria contratado tr&ecirc;s pessoas para trabalhar com ele.</p> <p>No Brasil, os Fablabs ainda est&atilde;o limitados em grande medida ao &acirc;mbito acad&ecirc;mico. Alguns hackerspaces t&ecirc;m suas impressoras 3D, mas via de regra est&atilde;o ali por enquanto mais como curiosidades do que instrumentos de produ&ccedil;&atilde;o. &Eacute; digno de nota, por outro lado, que alguns dos equipamentos listados nas recomenda&ccedil;&otilde;es para Fablabs, como cortadoras de vinil adesivo e m&aacute;quinas de bordar, estejam (h&aacute; tempos) presentes em empresas de sinaliza&ccedil;&atilde;o e faixas em qualquer periferia urbana, quiosques de shopping centers e afins. &Eacute; poss&iacute;vel imaginar que os laborat&oacute;rios de fabrica&ccedil;&atilde;o teriam maior potencial transformador quando associados a projetos de inclus&atilde;o social atrav&eacute;s do empreendedorismo - incorporando a penetra&ccedil;&atilde;o j&aacute; existente dessas tecnologias, naturalizando a gambiarra como objeto inovador em si mesmo e valorizando a inventividade cotidiana. Contudo, ainda s&atilde;o raros os projetos que se arriscam nessa seara.</p> </blockquote> <p>E para encerrar o festival de autocita&ccedil;&otilde;es, uma nota de rodap&eacute; sobre as impressoras 3D:</p> <blockquote> <p>A pr&oacute;pria nomenclatura utilizada para denomin&aacute;-la[s] indica um foco primordial em caracter&iacute;sticas t&eacute;cnicas - a impressora 3D se diferencia das impressoras de papel, que produziriam (&quot;somente&quot;) em duas dimens&otilde;es. Pode-se tentar uma interpreta&ccedil;&atilde;o alternativa, segundo a qual a impressora 3D permite &quot;dar sa&iacute;da&quot; a arquivos gerados em softwares de modelagem tridimensionais, mas isso &eacute; jogar a mesma limita&ccedil;&atilde;o conceitual para o software. Outros nomes, como &quot;m&aacute;quinas de prototipagem r&aacute;pida&quot;, como discuti acima, tamb&eacute;m carregam muito mais do que se costuma refletir - por que precisar&iacute;amos pensar que elas s&oacute; se prestam a prot&oacute;tipos? Uma solu&ccedil;&atilde;o poss&iacute;vel seria deixar de lado a dicotomia improdutiva entre duas ou tr&ecirc;s dimens&otilde;es e cham&aacute;-las de &quot;impressoras de coisas&quot; ou &quot;fabricadoras de coisas&quot;. Afinal, em um Makerspace s&atilde;o utilizadas lado a lado ferramentas bidimensionais e tridimensionais.</p> </blockquote> <p>Enfim, algumas inquieta&ccedil;&otilde;es que j&aacute; estavam latentes mas o artigo recomendado pela Raquel fez despertar de novo. Daqui a dois meses darei um curso sobre gambiarra e &quot;repair culture&quot; e pretendo retomar algumas dessas reflex&otilde;es. Por enquanto, o &uacute;nico coment&aacute;rio: gambiarra vale muito mais do que a maker culture. E daqui a cinco anos, quando a moda passar, a gambiarra vai continuar necess&aacute;ria. Espero que n&atilde;o tenha sido deixada de lado pelos ventos do hype.</p> http://desvio.cc/blog/fabricacao-conserto-e-porque-da#comments cultura maker fabricação gambiarra gambiologia metareciclagem refab space Fri, 19 Sep 2014 23:28:10 +0000 efeefe 234 at http://desvio.cc Os Mendi e a gambiologia http://desvio.cc/blog/os-mendi-e-gambiologia <p>Tra&ccedil;os de Gambiologia em Sahlins: &quot;<a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S0104-93131997000100002">O &#39;pessimismo sentimental&#39; e a experi&ecirc;ncia etnogr&aacute;fica: por que a cultura n&atilde;o &eacute; um &#39;objeto&#39; em via de extin&ccedil;&atilde;o</a>&quot;.</p> <blockquote> <p>Os Mendi fazem at&eacute; j&oacute;ias a partir do lixo europeu. Quando Lederman e seu marido, Mike Merrill, iniciaram seu projeto de pesquisa, eles - compreende-se bem por qu&ecirc; - lamentaram a indig&ecirc;ncia dos Mendi, ao inv&eacute;s de saudar sua criatividade. Que outra conclus&atilde;o se poderia tirar de um povo que fabricava pulseiras a partir de latas de conserva e chap&eacute;us a partir de embalagens de p&atilde;o? De gente que, ap&oacute;s haver passado toda a sua vida descal&ccedil;a, agora andava com galochas largu&iacute;ssimas, ou &agrave;s vezes com um p&eacute; s&oacute; de uma galocha rasgada? De um povo que comprava r&aacute;dios caros que, entretanto, logo quebravam e n&atilde;o tinham como ser consertados? Merrill, um especialista em hist&oacute;ria do trabalho, concluiu que, embora essa apropria&ccedil;&atilde;o do refugo da &quot;civiliza&ccedil;&atilde;o&quot; n&atilde;o possu&iacute;sse nenhum significado funcional, ela devia significar algo &frac34; provavelmente um sentimento de priva&ccedil;&atilde;o afrontosa. &quot;Um p&eacute; de sapato&quot;, escreveu ele em seu di&aacute;rio, &quot;n&atilde;o tem utilidade, e provavelmente at&eacute; dificulta o andar (sobretudo se est&aacute; sem o salto... ). Mas um p&eacute; de sapato significa alguma coisa. Significa um desejo, por parte do dono, de ter um <i>par</i> de sapatos; e de ter n&atilde;o apenas sapatos, mas tudo o mais tamb&eacute;m&quot; (Lederman 1986a:7). Eis que, por falta de um p&eacute; de sapato, a cultura se perdeu. Utilizando uma antropologia do <i>ancien r&eacute;gime</i>, a velha l&oacute;gica funcionalista da correspond&ecirc;ncia necess&aacute;ria entre um tipo de tecnologia e a totalidade cultural, os etn&oacute;grafos se convenceram inicialmente de que os desejos dos Mendi por objetos estrangeiros iriam necessariamente atrel&aacute;-los aos significados e rela&ccedil;&otilde;es portados por essas mercadorias, a ponto de comprometer suas formas tradicionais de exist&ecirc;ncia:</p> <blockquote> <p>&quot;Pois machados de a&ccedil;o, tecidos industrializados, carros, servi&ccedil;os de mesa, arroz e peixe enlatado, pregos etc. n&atilde;o s&atilde;o objetos neutros [...]. Quando penetram na &aacute;rea, carregam de maneira vis&iacute;vel e influente suas origens sociais [...]. Os valores do mercado mundial acabam necessariamente predominando [...]. Ao fim e ao cabo, a estrutura social tradicional ser&aacute; erodida pela a&ccedil;&atilde;o corrosiva dos artigos que agora s&atilde;o usados de modo tradicional, mas que j&aacute; cont&ecirc;m dentro de si outras e mais poderosas inten&ccedil;&otilde;es&quot; (Lederman 1986a:7).</p> </blockquote> <p>N&atilde;o obstante, at&eacute; o in&iacute;cio dos anos 80, ap&oacute;s toda uma gera&ccedil;&atilde;o de experi&ecirc;ncia com o governo colonial e p&oacute;s-colonial, e ap&oacute;s uma experi&ecirc;ncia consider&aacute;vel com o mercado atrav&eacute;s da venda tanto de produtos como de m&atilde;o-de-obra, tal eros&atilde;o ainda n&atilde;o havia acontecido. Nem as mercadorias nem as rela&ccedil;&otilde;es envolvidas em sua aquisi&ccedil;&atilde;o haviam transformado as estruturas mendi de sociabilidade ou suas concep&ccedil;&otilde;es de uma exist&ecirc;ncia humana adequada &frac34; <i>a n&atilde;o ser no sentido de as intensificar</i>. Abastecidos de uma maior riqueza em dinheiro, conchas de madrep&eacute;rola, porcos e bens estrangeiros, os cerimoniais cl&acirc;nicos e as trocas entre parentes atingiram dimens&otilde;es in&eacute;ditas, tanto em termos de escala como de freq&uuml;&ecirc;ncia (Lederman 1985; 1986b:153). Os Mendi possuem agora cerim&ocirc;nias maiores e mais parentes do que jamais tiveram. Lederman observou que as rela&ccedil;&otilde;es sociais ind&iacute;genas haviam gerado uma demanda de moeda moderna bem maior que aquela exigida pelas inst&acirc;ncias locais do mercado capitalista (1986b:232). Refletindo acerca da disposi&ccedil;&atilde;o dos brancos para o consumo privado, um amigo Mendi caracterizou a economia europ&eacute;ia como um &quot;sistema de subsist&ecirc;ncia&quot;, em contraposi&ccedil;&atilde;o ao interesse de seu pr&oacute;prio povo em dar e receber, e que seria, este sim, um verdadeiro sistema de trocas (1986b:236). Por essa n&atilde;o se esperava...<sup><a name="top13"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S0104-93131997000100002#back13">13</a></sup></p> <p>Os Mendi, escreve Lederman, interagiam com os estrangeiros &quot;sem perder o sentido de si mesmos&quot; (1986b:9). O sistema cultural local &quot;ainda &eacute; a estrutura dentro da qual os Mendi definem, categorizam e orquestram os novos objetos e modos de agir que lhes foram apresentados durante a &uacute;ltima gera&ccedil;&atilde;o&quot; (1986b:227). Mas observe-se que invocar desse modo uma estrutura ou l&oacute;gica culturais, como sendo aquilo que orquestra a transforma&ccedil;&atilde;o hist&oacute;rica, n&atilde;o &eacute; o mesmo que falar de uma reprodu&ccedil;&atilde;o estereotipada do costume tradicional<i>. A tradi&ccedil;&atilde;o consiste aqui nos modos distintos como se d&aacute; a transforma&ccedil;&atilde;o</i>: a transforma&ccedil;&atilde;o &eacute; necessariamente adaptada ao esquema cultural existente. Nas terras altas da Nova Guin&eacute;, isso pode significar um desenvolvimento da competi&ccedil;&atilde;o cerimonial intercl&acirc;nica, ocorrendo concomitantemente ao decl&iacute;nio da guerra. Mas a competi&ccedil;&atilde;o pode se manifestar tamb&eacute;m em projetos de constru&ccedil;&atilde;o de igrejas (1986b:230)<sup><a name="top14"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S0104-93131997000100002#back14">14</a></sup>.</p> </blockquote> <p>&nbsp;</p> http://desvio.cc/blog/os-mendi-e-gambiologia#comments antropologia gambiologia mdcc metareciclagem Thu, 19 Apr 2012 21:15:06 +0000 efeefe 223 at http://desvio.cc Metamáquina http://desvio.cc/blog/metamaquina <p>O pessoal da <a href="http://metamaquina.com.br/">Metam&aacute;quina</a> lan&ccedil;ou no catarse um pedido de crowdfunding para montar kits de impressoras 3D replic&aacute;veis aqui no Brasil. J&aacute; t&ecirc;m meu total apoio. Mais informa&ccedil;&otilde;es abaixo:</p> <p><iframe frameborder="0" height="388px" src="http://catarse.me/pt/projects/532-metamaquina-3d/video_embed" width="364px"></iframe></p> http://desvio.cc/blog/metamaquina#comments crowdfunding gambiologia garoa garoahc impressora 3d makers projetos prototipagem reprap Thu, 09 Feb 2012 00:40:59 +0000 efeefe 216 at http://desvio.cc Apropriação crítica http://desvio.cc/blog/apropriacao-critica <h1> Apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica</h1> <h2> Industrializa&ccedil;&atilde;o e distanciamento</h2> <p>As &uacute;ltimas centenas de anos presenciaram profundas mudan&ccedil;as na maneira como produzimos coisas. At&eacute; meados do s&eacute;culo XIX, os bens eram manufaturados por artes&atilde;os. Roupas, m&oacute;veis, utens&iacute;lios dom&eacute;sticos, objetos decorativos, medicamentos, armas, ferramentas, instrumentos cient&iacute;ficos &ndash; praticamente tudo era feito &agrave; m&atilde;o, e quase sempre vendido localmente. Sucessivas inova&ccedil;&otilde;es na fabrica&ccedil;&atilde;o de objetos, transforma&ccedil;&otilde;es nas formas como as sociedades se organizavam, a cria&ccedil;&atilde;o de novos meios de transporte e o acesso a imensas fontes de mat&eacute;rias-primas e outros recursos naturais nas col&ocirc;nias alavancaram a chamada <em>revolu&ccedil;&atilde;o</em> <em>industrial,</em> a partir da Europa e em dire&ccedil;&atilde;o ao resto do mundo.<br /> Atrav&eacute;s da mecaniza&ccedil;&atilde;o e da produ&ccedil;&atilde;o em s&eacute;rie, a produtividade aumentou exponencialmente. Bens que anteriormente s&oacute; estavam dispon&iacute;veis &agrave;s elites puderam ser oferecidos a todos, passando a ser considerados necessidades b&aacute;sicas. A qualidade de vida de uma consider&aacute;vel parcela da popula&ccedil;&atilde;o aumentou, em um ritmo sem precedentes.</p> <p>Isso tudo potencializou outras transforma&ccedil;&otilde;es. Ganhou espa&ccedil;o crescente a democracia representativa (&ldquo;o pior sistema pol&iacute;tico, com exce&ccedil;&atilde;o de todos os outros que foram tentados&rdquo;, segundo Churchill). Formaram-se as <a href="http://ubalab.org/blog/metareciclando-cidades-digitais">cidades contempor&acirc;neas</a>, ambiente prop&iacute;cio para a atividade industrial: uma maior concentra&ccedil;&atilde;o urbana oferece m&atilde;o de obra a custo baixo e mercados din&acirc;micos para escoar a produ&ccedil;&atilde;o. A sociedade tornou-se mais complexa, suas rela&ccedil;&otilde;es mediadas por grandes organiza&ccedil;&otilde;es e institui&ccedil;&otilde;es. Uma entre as muitas consequ&ecirc;ncias dessas mudan&ccedil;as foi o gradual distanciamento entre produtores e consumidores. E &eacute; importante analisar essa divis&atilde;o.</p> <p>Antes da produ&ccedil;&atilde;o industrial, a fabrica&ccedil;&atilde;o era um processo manual e consciente. O artes&atilde;o dominava praticamente todas as etapas do tratamento e transforma&ccedil;&atilde;o de mat&eacute;rias-primas em produtos. O conhecimento sobre o processo fabril tinha muito valor, e era transmitido de gera&ccedil;&atilde;o em gera&ccedil;&atilde;o. Existia a possibilidade do contato pessoal entre quem fabricava alguma coisa e aqueles que a utilizavam. Por mais que o artes&atilde;o pudesse contestar interfer&ecirc;ncias em seu trabalho e negar-se a atender a pedidos, algum di&aacute;logo era sempre poss&iacute;vel. Por outro lado, ele tamb&eacute;m precisava saber usar aquilo que fabricava. Ou seja, deveria ser ele mesmo o mais exigente de seus usu&aacute;rios. Com o passar dos anos, o artes&atilde;o aplicado tornava-se mestre em seu of&iacute;cio, formando novas gera&ccedil;&otilde;es e incrementando o dom&iacute;nio t&eacute;cnico daquela &aacute;rea do conhecimento como um todo.</p> <p>O desenvolvimento da produ&ccedil;&atilde;o industrial teve fortes implica&ccedil;&otilde;es nesse contexto, &agrave; medida em que afastou a produ&ccedil;&atilde;o do consumo, ao ponto da desconex&atilde;o total. Criaram-se mundos totalmente separados. De um lado ficaram os oper&aacute;rios na ind&uacute;stria, os bra&ccedil;os respons&aacute;veis pela fabrica&ccedil;&atilde;o dos produtos. S&atilde;o at&eacute; hoje pessoas que em sua maioria conhecem apenas uma &iacute;nfima parte do processo de fabrica&ccedil;&atilde;o. Muitas vezes elas n&atilde;o utilizam os produtos que fabricam, e frequentemente nem saberiam como faz&ecirc;-lo. Repetidamente juntam uma pe&ccedil;a com a outra, apertam parafusos, empilham, verificam o resultado e tornam a repetir o processo, como o personagem de Chaplin em &ldquo;<a href="http://www.imdb.pt/title/tt0027977/">Tempos Modernos</a>&rdquo;. Por n&atilde;o terem uma vis&atilde;o geral do processo, essas pessoas necessitam de chefes que as orientem, disciplinem e controlem. J&aacute; esses chefes tornam-se por sua vez mais uma classe &agrave; parte, os gerentes. Respons&aacute;veis pela domestica&ccedil;&atilde;o da for&ccedil;a de trabalho, s&atilde;o em geral conservadores, bajuladores da elite e avessos a mudan&ccedil;as.</p> <p>J&aacute; na outra ponta da industrializa&ccedil;&atilde;o - o &ldquo;mercado consumidor&rdquo; - cada indiv&iacute;duo passou a ser visto muito mais como um comprador em potencial do que como sujeito social. Em vez do contato pessoal com os produtores, resignou-se &agrave; impessoalidade do marketing e dos setores de atendimento ao consumidor das grandes empresas. N&atilde;o sabe mais quem foram as pessoas que produziram aquilo que compra, e &eacute; levado a nem se interessar por isso.</p> <p>Nesse cen&aacute;rio, alguma coisa humana se perdeu. &Eacute; tristemente real a anedota da crian&ccedil;a que, perguntada sobre de onde vem o leite, responde que vem &ldquo;da caixinha&rdquo;. Mais triste ainda &eacute; perceber qu&atilde;o mais inconscientes ainda somos quando adultos. Essa ignor&acirc;ncia se estende para praticamente todos os produtos industrializados. &Eacute; raro o momento em que paramos para pensar como, onde e por quem s&atilde;o feitas as coisas que nos cercam, de onde vieram as mat&eacute;rias-primas que deram origem a essas coisas, ou mesmo se determinado produto funcionaria melhor se fosse feito de outra forma. Existe a ilus&atilde;o de que tudo &eacute; feito por m&aacute;quinas, de que o elemento humano n&atilde;o existe mais. E isso est&aacute; longe de ser verdade: todo produto tem em sua origem recursos naturais. Todo produto requer um esfor&ccedil;o criativo inicial seguido por sucessivas fases de trabalho manual, frequentemente realizado sob condi&ccedil;&otilde;es prec&aacute;rias. N&atilde;o percebemos, mas estamos sempre usando ou carregando objetos &ndash; roupas, aparelhos, m&oacute;veis, tudo &ndash; que embutem peda&ccedil;os do planeta, ideias e suor.</p> <h2> Obsolesc&ecirc;ncia programada</h2> <p>O andar da hist&oacute;ria amplificou ainda mais a tend&ecirc;ncia industrial ao distanciamento e &agrave; frieza na rela&ccedil;&atilde;o entre fabrica&ccedil;&atilde;o e uso. A era dos mercados de massa, impulsionada por novos meios de transporte e comunica&ccedil;&atilde;o, alcan&ccedil;aria n&iacute;veis sem precedentes de afastamento e distor&ccedil;&atilde;o.</p> <p>Como retratado no recente document&aacute;rio produzido pela TV espanhola &ldquo;<a href="http://lixoeletronico.org/blog/obsolescencia-programada">Comprar, tirar, comprar</a>&rdquo; (&ldquo;Comprar, jogar fora, comprar&rdquo;), em meados do s&eacute;culo XX representantes de grandes corpora&ccedil;&otilde;es industriais se reuniram secretamente para estabelecer que seus produtos deveriam durar <em>menos</em> tempo. Ou seja, frente &agrave; necessidade visceral das corpora&ccedil;&otilde;es continuarem crescendo ano ap&oacute;s ano, seus dirigentes simplesmente decidiram a portas fechadas que os consumidores teriam acesso a produtos menos dur&aacute;veis, que precisariam ser substitu&iacute;dos em prazos menores! O document&aacute;rio d&aacute; um exemplo emblem&aacute;tico: uma esta&ccedil;&atilde;o de bombeiros norte-americana onde se encontra uma l&acirc;mpada incandescente, que recentemente completou cem anos de idade, e ainda est&aacute; em funcionamento. Nos dias de hoje, as l&acirc;mpadas s&atilde;o deliberadamente fabricadas para durar um n&uacute;mero limitado de horas de uso. Ou seja, nenhuma l&acirc;mpada fabricada hoje vai durar cem anos. E isso n&atilde;o &eacute; coincid&ecirc;ncia: &eacute; &ldquo;planejamento estrat&eacute;gico&rdquo;, no jarg&atilde;o corporativo.</p> <p>O mesmo acontece com impressoras, meias-cal&ccedil;as, autom&oacute;veis, eletrodom&eacute;sticos e muitos outros produtos. Essa &eacute; uma tend&ecirc;ncia intencional, chamada de <em>obsolesc&ecirc;ncia</em> <em>programada</em>. Segundo essa perspectiva, qualquer produto s&oacute; vale alguma coisa para o fabricante at&eacute; o instante em que &eacute; vendido. A partir do momento que est&aacute; em posse do consumidor, quanto antes for descartado melhor. Em outras palavras, qualquer produto vendido j&aacute; &eacute; considerado lixo. Essa vis&atilde;o se perpetua nos dois lados do processo produtivo: tanto atrav&eacute;s dos gerentes que se sobrep&otilde;em &agrave; m&atilde;o de obra industrial, condicionando seu trabalho &agrave; continuada necessidade de aumentar o faturamento e a lucratividade, produzindo coisas que duram menos tempo; quanto nos departamentos de marketing, que se esfor&ccedil;am em condicionar o comportamento dos consumidores para que continuem comprando produtos novos, mesmo que n&atilde;o precisem deles. Existem setores da administra&ccedil;&atilde;o de empresas especializados em simular relacionamentos prolongados com seus clientes, que s&atilde;o vistos n&atilde;o mais como compradores de produtos (e menos ainda como pessoas), mas sim fontes de faturamento para toda a vida.</p> <p>&Eacute; importante perceber o peso desses mediadores. Um engenheiro competente e bem intencionado que queira desenhar um produto mais dur&aacute;vel ou que permita o reuso ser&aacute; provavelmente demovido por seus colegas e chefia. Se insistir, a empresa pode at&eacute; consider&aacute;-lo uma esp&eacute;cie de traidor, por conta de uma alegada necessidade de competir pelo desenvolvimento de produtos que durem menos e proporcionem maior lucro, a fim de &ldquo;n&atilde;o perder espa&ccedil;o para a concorr&ecirc;ncia&rdquo;. E o mais assustador &eacute; que nesses ambientes isso &eacute; tratado quase como uma verdade universal. As escolas de neg&oacute;cios fazem uma lavagem cerebral, repetindo frases feitas com o objetivo de desumanizar ainda mais a produ&ccedil;&atilde;o e comercializa&ccedil;&atilde;o de bens e servi&ccedil;os.</p> <p>Outro elemento importante a perceber: as empresas em geral se utilizam de linguagem b&eacute;lica para descrever suas atividades: &ldquo;p&uacute;blico-alvo&rdquo;, &ldquo;derrotar os oponentes&rdquo;, &ldquo;conquistar&rdquo;, &ldquo;dominar&rdquo;. N&atilde;o &eacute; por acaso. Guerra e com&eacute;rcio est&atilde;o conectados h&aacute; muito tempo. A produ&ccedil;&atilde;o industrial, e com ela o poder corporativo, est&aacute; ligada profundamente &agrave; manuten&ccedil;&atilde;o das estruturas de poder na sociedade. O premiado document&aacute;rio brit&acirc;nico &ldquo;<a href="http://www.imdb.pt/title/tt0432232/">M&aacute;quinas de Felicidade</a>&rdquo; (The Century of the Self) mostra como t&eacute;cnicas oriundas da psicologia foram utilizadas desde o come&ccedil;o do s&eacute;culo XX para forjar uma sociedade individualista e politicamente fr&aacute;gil, lan&ccedil;ando m&atilde;o do h&aacute;bito do consumo como indulg&ecirc;ncia acess&iacute;vel a todos. Isso vai muito al&eacute;m da produ&ccedil;&atilde;o e do com&eacute;rcio, infantiliza a popula&ccedil;&atilde;o, e tem reflexos profundos na rela&ccedil;&atilde;o das pessoas com as tecnologias que adquirem.</p> <h2> A quem pertencem os objetos?</h2> <p>Quando pagamos por um produto, acreditamos poder fazer o que quisermos com ele. Isso deveria incluir todos os usos previstos pelo fabricante, al&eacute;m de todos os outros usos que quis&eacute;ssemos propor. Nas condi&ccedil;&otilde;es atuais, pode n&atilde;o ser bem assim. Particularmente em rela&ccedil;&atilde;o a eletr&ocirc;nicos, existe uma s&eacute;rie de restri&ccedil;&otilde;es legais sobre como podemos utiliz&aacute;-los. S&atilde;o cada vez mais frequentes os casos de fabricantes que penalizam os usu&aacute;rios que promovem o desvio de fun&ccedil;&otilde;es de seus aparelhos. Um exemplo: a Sony <a href="http://yro.slashdot.org/story/01/10/28/005233/Sony-Uses-DMCA-To-Shut-Down-Aibo-Hack-Site">amea&ccedil;ou judicialmente</a> entusiastas por desenvolverem software que habilitava o rob&ocirc; Aibo a dan&ccedil;ar. Em outras palavras: a empresa proibiu usu&aacute;rios &ndash; que, diga-se de passagem, pagaram caro pelos equipamentos que compraram - de fazerem usos que ela pr&oacute;pria n&atilde;o consegue oferecer. Por mera compuls&atilde;o de controle, ela interfere em um aspecto fundamental para a promo&ccedil;&atilde;o da inova&ccedil;&atilde;o e seu potencial de transforma&ccedil;&atilde;o social: a chamada <em>indetermina&ccedil;&atilde;o</em> <em>do</em> <em>objeto</em> <em>t&eacute;cnico,</em> ideia bem desenvolvida pelo franc&ecirc;s Gilbert de Simondon (cujos textos v&ecirc;m sendo traduzidos ao portugu&ecirc;s e disponibilizados na internet por <a href="http://rede.metareciclagem.org/wiki/DialogosCasinhaNovaes">Thiago Novaes</a>).</p> <p>Esse v&iacute;cio de controle n&atilde;o se limita ao software. Existem tamb&eacute;m crescentes restri&ccedil;&otilde;es ao armazenamento e circula&ccedil;&atilde;o de conte&uacute;do. Por exemplo, se voc&ecirc; comprar um CD de m&uacute;sica e fizer uma c&oacute;pia de seguran&ccedil;a para manter as m&uacute;sicas caso o CD se extravie ou seja furtado, estar&aacute; incorrendo em crime. Mesmo que n&atilde;o tenha a inten&ccedil;&atilde;o de distribuir para outras pessoas, a ind&uacute;stria fonogr&aacute;fica imp&otilde;e uma legisla&ccedil;&atilde;o que trata a todos como criminosos. A <a href="http://fsf.org">Funda&ccedil;&atilde;o Software Livre</a> mant&eacute;m uma campanha chamada &ldquo;<a href="http://www.defectivebydesign.org/">Deliberadamente defeituosos</a>&rdquo;, atrav&eacute;s da qual critica os aparelhos eletr&ocirc;nicos que adotam sistemas de gerenciamento de direitos autorais. Afirma que esses equipamentos j&aacute; s&atilde;o projetados de maneira a retirar liberdades de seus usu&aacute;rios, o que tem consequ&ecirc;ncias negativas para o conhecimento humano em geral.</p> <p>O autor de literatura <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Cyberpunk">ciberpunk</a> <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Gibson">William Gibson</a> diz que &ldquo;a rua encontra seus pr&oacute;prios usos para as coisas&rdquo;. Isso &eacute; uma caracter&iacute;stica de todo e qualquer objeto, ainda mais presente em se tratando de ferramentas com m&uacute;ltiplos usos potenciais como computadores, roteadores, telefones, tablets e afins. Com um pouco de habilidade t&eacute;cnica, uma boa pesquisa na internet e muita vontade, um monitor LCD pode virar um projetor, uma impressora matricial se transformar em instrumento de m&uacute;sica, uma webcam servir de base para um microsc&oacute;pio digital, um celular ser usado como leitor de c&oacute;digo de barras. Nesse sentido, restri&ccedil;&otilde;es &agrave; liberdade de uso tendem a frear o impulso criativo. Grupos de pessoas motivadas e com liberdade de experimentar s&atilde;o uma das bases da inova&ccedil;&atilde;o. Se n&atilde;o fossem os amadores promovendo o desvio de fun&ccedil;&atilde;o dos kits de eletr&ocirc;nica nos anos setenta, talvez o computador pessoal nunca tivesse sido inventado. Precisamos garantir que essa liberdade continue existindo.</p> <h2> Apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica e bricotecnologia</h2> <p>Ao longo do tempo e dos diversos projetos desenvolvidos pela rede <a href="http://rede.metareciclagem.org">MetaReciclagem</a>, trabalhamos sempre entre dois extremos: de um lado a ado&ccedil;&atilde;o r&aacute;pida de novas tecnologias e das novas possibilidades que elas trazem, do outro a cr&iacute;tica ao consumismo superficial. A busca do equil&iacute;brio parece estar no que costumamos chamar de <em>apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica</em> das tecnologias. Ela toma forma na aproxima&ccedil;&atilde;o entre produ&ccedil;&atilde;o e uso de conhecimento aplicado que tem emergido internacionalmente. O software livre &eacute; um exemplo, estimulando ciclos econ&ocirc;micos que em vez de operarem em fun&ccedil;&atilde;o da escassez optam pela abund&acirc;ncia e pela generosidade. A chamada cena <em>maker</em> &eacute; um exemplo ainda mais concreto: pessoas no mundo inteiro fazendo uso de conhecimento compartilhado em rede para criar objetos e dispositivos interconectados. Disso saem ideias para aparelhos que realizam praticamente qualquer coisa: esta&ccedil;&otilde;es de monitoramento ambiental, objetos fabricados em impressoras 3D, prot&oacute;tipos de aparelhos focados nas necessidades de pequenos grupos de pessoas. Eu tenho chamado isso de <em>bricotecnologia</em> &ndash; a revaloriza&ccedil;&atilde;o do saber-fazer, aplicado &agrave;s tecnologias de informa&ccedil;&atilde;o e operando em rede.</p> <p>A apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica passa pela valoriza&ccedil;&atilde;o da inova&ccedil;&atilde;o cotidiana, representada pela pr&aacute;tica popular da <a href="/tag/gambiologia"><em>gambiarra</em></a>. S&iacute;mbolo do impulso criativo orientado &agrave; solu&ccedil;&atilde;o de problemas concretos mesmo sem acesso ao conhecimento, ferramentas ou materiais adequados, a gambiarra torna-se ainda mais importante em uma &eacute;poca de crise econ&ocirc;mica global, iminente colapso ambiental e consumismo exacerbado. Baseia-se na <em>manipula&ccedil;&atilde;o</em> (entendida como o ato pegar com as m&atilde;os e interferir nos objetos) e na <em>experimenta&ccedil;&atilde;o</em> (sequ&ecirc;ncia de tentativas, erros e novas tentativas). D&aacute; origem a uma criatividade desobediente, que n&atilde;o se assusta com a precariedade e sempre v&ecirc; o mundo como lotado de potencialidades - uma verdadeira li&ccedil;&atilde;o que as culturas populares brasileiras t&ecirc;m a dar em tempos de crise econ&ocirc;mica, colapso ambiental e disparidade social.</p> <p>Quando em contato com as in&uacute;meras possibilidades das tecnologias de comunica&ccedil;&atilde;o em rede, em especial aquelas ligadas ao <em>software livre</em>, temos um potencial de transforma&ccedil;&atilde;o gigantesco. Indiv&iacute;duos que tenham a gambiarra como habilidade essencial, e se utilizem do conhecimento aberto dispon&iacute;vel em rede para adquirir ideias e t&eacute;cnicas, podem ser vistos como inventores em potencial de novos arranjos criativos, espalhados por todas as classes sociais e localidades.</p> <p>A apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica sup&otilde;e o amadorismo &ndash; que vem do latim <em>amare</em>, referindo-se &agrave;s pessoas que se dedicam a um of&iacute;cio mais por paix&atilde;o do que por necessidade objetiva. Ao contr&aacute;rio do que muitas vezes se pensa, os amadores est&atilde;o em geral mais abertos &agrave; inova&ccedil;&atilde;o. Justamente por n&atilde;o terem o dom&iacute;nio completo da t&eacute;cnica estabelecida e por n&atilde;o ocuparem posi&ccedil;&atilde;o nas hierarquias profissionais, t&ecirc;m mais espa&ccedil;o para o desvio e a transforma&ccedil;&atilde;o. T&ecirc;m a possibilidade de questionar certezas e imposi&ccedil;&otilde;es, e com isso descobrir melhores maneiras de fazer as coisas.</p> <p>Outro tra&ccedil;o caracter&iacute;stico das culturas populares que faz muito sentido para a apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica de tecnologias de comunica&ccedil;&atilde;o &eacute; o <em>mutir&atilde;o</em> &ndash; agrupamento din&acirc;mico que se forma para cumprir tarefas coletivas e em seguida se desfaz. O mutir&atilde;o possibilita a efetiva coopera&ccedil;&atilde;o entre pessoas e grupos, aumentando sua capacidade individual e promovendo uma sociabilidade livre e produtiva. As redes sociais online dialogam muito bem com a l&oacute;gica do mutir&atilde;o, promovendo la&ccedil;os de contato entre pessoas que n&atilde;o t&ecirc;m um conv&iacute;vio cotidiano. &Eacute; natural que a abertura a novos contatos estimule a criatividade, de modo que estimular iniciativas din&acirc;micas em rede &eacute; mais uma forma de potencializ&aacute;-la.</p> <p>A bricotecnologia e a apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica sugerem a reconcilia&ccedil;&atilde;o entre manufatura e necessidades cotidianas, libertando a fabrica&ccedil;&atilde;o da exig&ecirc;ncia de escala. Gabriel Menotti prop&ocirc;s, no artigo &ldquo;<a href="http://medialab-prado.es/article/gambiarra">Gambiarra: The Prototyping Perspective</a>&rdquo; (artigo cuja tradu&ccedil;&atilde;o para portugu&ecirc;s deve sair na compila&ccedil;&atilde;o sobre &ldquo;<a href="http://rede.metareciclagem.org/wiki/MutiraoGambioLogia">Gambiologia</a>&rdquo; do <a href="http://mutgamb.org">MutGamb</a>, uma edi&ccedil;&atilde;o que ironicamente est&aacute; h&aacute; dois anos aguardando finaliza&ccedil;&atilde;o), a an&aacute;lise do contraste entre a gambiarra e o prot&oacute;tipo. Se esta indica uma fase pr&eacute;via &agrave; fabrica&ccedil;&atilde;o propriamente dita, aquela dissolve a fronteira entre esses dois estados e se coloca como solu&ccedil;&atilde;o intermedi&aacute;ria: servindo ao uso ao mesmo tempo em que se mant&eacute;m aberta para reinven&ccedil;&atilde;o. Uma vez que as ferramentas e materiais necess&aacute;rios para fabricar objetos est&atilde;o se tornando cada vez mais acess&iacute;veis, &eacute; importante desenvolver as habilidades t&eacute;cnicas e a criatividade que podem fazer uso desses recursos, e assegurar que apontem a ciclos de inova&ccedil;&atilde;o baseados em conhecimento livre. A apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica, a bricolagem, a gambiarra e o mutir&atilde;o s&atilde;o elementos fundamentais dessa equa&ccedil;&atilde;o.</p> <hr /> <pre> <em>Este artigo foi escrito com o apoio do <a href="http://www.ccebrasil.org.br/">Centro Cultural da Espanha em S&atilde;o Paulo</a> para a plataforma <a href="http://arquivovivo.org.br/redelabs">Arquivo Vivo</a>.</em></pre> http://desvio.cc/blog/apropriacao-critica#comments apropriação fabricação gambiarra gambiologia metareciclagem mutirão redelabs revolução industrial tecnologia Fri, 23 Dec 2011 02:42:37 +0000 efeefe 215 at http://desvio.cc Aberto... até aqui http://desvio.cc/blog/aberto-ate-aqui <p>Pra responder &agrave; provoca&ccedil;&atilde;o do <a href="http://blog.liquuid.net/">Liquuid</a> (&quot;Android, um novo windows&quot;) que o <a href="http://reacesso.webnos.org/">Orlando</a> publicou no <a href="http://rede.metareciclagem.org/blog/06-08-11/Android-um-novo-Windows">blog da MetaReciclagem</a>, uma outra provoca&ccedil;&atilde;o que eu fiz no <a href="http://rede.metareciclagem.org/wiki/DialogosCasinhaNovaes">di&aacute;logo na casinha com Novaes</a>, durante o <a href="http://rede.metareciclagem.org/conectaz/Ciclo-Gambiarra">Ciclo Gambiarra</a> em 2007.</p> <blockquote> <p>Levando em conta que tem cada vez mais, ou pelo menos a gente t&aacute; tomando cada vez mais consciẽncia de movimentos, grupos, projetos, pessoas, que t&ecirc;m essa inten&ccedil;&atilde;o da gambiarra, essa quest&atilde;o de desconstruir o objeto t&eacute;cnico, desconstruir ideias pr&eacute;-concebidas, desconstruir paradigmas... pensando na possibilidade de isso ser uma parte de um sistema que t&aacute; a&iacute;, mas que pode pautar o desenvolvimento tecnol&oacute;gico. Ou seja, por causa de toda essa movimenta&ccedil;&atilde;o a gente acabar influenciando o poder de decis&atilde;o do processo de planejamento e desenvolvimento do objeto t&eacute;cnico. T&ocirc; pensando na possibilidade de existirem objetos j&aacute; pensados com essa quest&atilde;o da indetermina&ccedil;&atilde;o. Ou seja, um objeto t&eacute;cnico produzido com isso. Como &eacute; que fica essa rela&ccedil;&atilde;o com, sei l&aacute;, imaginar que uma corpora&ccedil;&atilde;o vai encampar essa ideia, lan&ccedil;ar um objeto t&eacute;cnico com essa indetermina&ccedil;&atilde;o, mas &agrave;s vezes vai lan&ccedil;ar essa indetermina&ccedil;&atilde;o controlada - vai dizer &quot;at&eacute; aqui t&aacute; aberto, mas tem uma parte do software que &eacute; fechada&quot;. (...) Eles lan&ccedil;am uma indetermina&ccedil;&atilde;o - tem som, microfone, wifi, faz o que quiser, conecta &agrave; internet e tal, mas nessa parte aqui voc&ecirc;s n&atilde;o tocam. E at&eacute; que ponto isso n&atilde;o acaba desmobilizando a gente. Quer dizer, toda a quest&atilde;o de resist&ecirc;ncia - a gente acaba dizendo &quot;ah, os caras est&atilde;o entrando no jogo, ajudando o software livre&quot;. Como &eacute; que a gente pode garantir que o car&aacute;ter de inova&ccedil;&atilde;o, de contracultura, resist&ecirc;ncia, seja l&aacute; como chame, n&atilde;o vai ser apropriado, n&atilde;o vai ser desmobilizado a partir do momento em que essas ideias passem a influenciar o pr&oacute;prio processo de desenvolvimento dos produtos.</p> </blockquote> <p>Infelizmente, eu tendo a concordar com o sentido geral da provoca&ccedil;&atilde;o do Liquuid. Android &eacute; menos aberto do que deveria ser.</p> http://desvio.cc/blog/aberto-ate-aqui#comments android gambiologia indeterminação linux open source simondon software livre Wed, 31 Aug 2011 02:29:40 +0000 efeefe 206 at http://desvio.cc Antropofagia, tropicalismo, remix http://desvio.cc/blog/antropofagia-tropicalismo-remix <blockquote> <p>&quot;A economia das redes, das rela&ccedil;&otilde;es p&oacute;s nacionais, dos novos territ&oacute;rios afetivos e produtivos, parece nos mostrar uma esp&eacute;cie de brasiliza&ccedil;&atilde;o do planeta, tanto no que pode haver de clich&ecirc; quanto de potente nesta express&atilde;o. A antropofagia surge como a &uacute;nica paz poss&iacute;vel neste ambiente de diferen&ccedil;as que aparecem como nas imagens do tropicalismo: a 'gel&eacute;ia geral brasileira' vira a 'gel&eacute;ia geral global'. A antropofagia &eacute; assim a paz constru&iacute;da a partir da pot&ecirc;ncia, da singularidade, e n&atilde;o da ren&uacute;ncia e do medo.</p> <p>Um movimento que no Brasil propriamente dito tem a ver com a ascens&atilde;o social de milh&otilde;es de pobres que vimos nos &uacute;ltimos anos, com a maneira como a antropofagia se radicaliza numa inventividade de remix que explode qualquer limite poss&iacute;vel do &ldquo;campo da cultura&rdquo; ou da &ldquo;classe art&iacute;stica&rdquo;, e faz a criatividade atravessar a vida social de uma tal forma que v&aacute;rias novas possibilidades econ&ocirc;micas, e v&aacute;rias novas formas de rela&ccedil;&atilde;o entre trabalho e vida, aparecem a partir da&iacute;.&quot;</p> </blockquote> <p>Uma entre muitas ideias interessantes no artigo &quot;<a href="http://www.universidadenomade.org.br/?q=node/121">De Caetanos, cotas e passeatas contra guitarras</a>&quot;, no site da Universidade N&ocirc;made. Dica de <a href="http://twitter.com/#!/beppo22">Giuseppe Cocco</a>. Lembrei do Viveiros de Castro: <a href="http://desvio.cc/blog/tudo-e-brasil">Tudo &eacute; Brasil</a>. E da <a href="/tag/gambiologia">gambiologia</a>, claro.</p> http://desvio.cc/blog/antropofagia-tropicalismo-remix#comments brasil cultura digital gambiologia mincc remix tropicalismo Mon, 04 Apr 2011 18:24:45 +0000 efeefe 198 at http://desvio.cc Inovação e tecnologias livres - parte 2 - hojes e depois http://desvio.cc/blog/inovacao-e-tecnologias-livres-parte-2-hojes-e-depois <blockquote> <p>No <a href="http://desvio.cc/blog/inovacao-e-tecnologias-livres-parte-1-decada-que-foi">post anterior</a>, eu comentei sobre o sucesso que alcan&ccedil;amos em algumas batalhas da luta conceitual que come&ccedil;amos h&aacute; quase uma d&eacute;cada: hoje, quase todo mundo entendeu que iniciativas livres, abertas e colaborativas podem ser muito <em>mais inovadoras</em> do que as fechadas e propriet&aacute;rias. Quase todo mundo entendeu que as redes online est&atilde;o a&iacute; entremeadas em v&aacute;rios aspectos do <em>cotidiano</em> das pessoas, n&atilde;o s&oacute; para fazer neg&oacute;cios ou perpetuar uma rela&ccedil;&atilde;o autorit&aacute;ria de transmiss&atilde;o de conhecimento em um s&oacute; sentido. Quase todo mundo entendeu que &eacute; poss&iacute;vel pensar em <em>tecnologias apropriadas para a transforma&ccedil;&atilde;o social</em>. Agora precisamos ir adiante, entender quais s&atilde;o os perigos do caminho e pensar em quais s&atilde;o os <em>pr&oacute;ximos passos</em>. Esse post se prop&otilde;e a levantar algumas dessas possibilidades.</p> </blockquote> <p>O acesso &eacute; s&oacute; o come&ccedil;o. Nos dias de hoje e no futuro pr&oacute;ximo, a separa&ccedil;&atilde;o entre inclu&iacute;dos e <a href="http://mutgamb.org/livro/O-fantasma-da-inclus%C3%A3o-digital">exclu&iacute;dos</a> est&aacute; se reduzindo cada vez mais. Mas existe uma outra tens&atilde;o &agrave; qual precisamos ficar atentos: a tens&atilde;o entre <em>tecnologias de confian&ccedil;a</em> e <em>tecnologias de controle </em>(como exposto por Sean Dodson no <a href="http://networkcultures.org/wpmu/portal/publications/network-notebooks/the-internet-of-things/the-internet-of-things-forward/">pref&aacute;cio</a> do <a href="http://networkcultures.org/wpmu/portal/publications/network-notebooks/the-internet-of-things/">Internet of Things</a>, de <a href="http://www.theinternetofthings.eu/content/rob-van-kranenburg">Rob van Kranenburg</a>). Essa situa&ccedil;&atilde;o j&aacute; est&aacute; &agrave; nossa porta. Por mais que tenhamos avan&ccedil;ado substancialmente nos &uacute;ltimos anos, existem <em>amea&ccedil;as</em> cada vez maiores &agrave; liberdade que em &uacute;ltima inst&acirc;ncia &eacute; a mat&eacute;ria-prima para a inova&ccedil;&atilde;o na internet. S&atilde;o congressistas elaborando <a href="http://www.petitiononline.com/veto2008/petition.html">leis para controlar a rede</a> invadindo a privacidade de seus usu&aacute;rios. S&atilde;o empresas de telecomunica&ccedil;&otilde;es que n&atilde;o respeitam a <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Neutralidade_da_rede">neutralidade da rede</a>. Associa&ccedil;&otilde;es de propriedade intelectual que <a href="http://www.guardian.co.uk/technology/blog/2010/feb/23/opensource-intellectual-property">associam o compartilhamento &agrave; pirataria</a>&nbsp;(e empresas jornal&iacute;sticas que usam a lei para <a href="http://desculpeanossafalha.com.br/entenda-o-caso/">silenciar cr&iacute;ticas bem-humoradas</a>). Fabricantes de hardware que deliberadamente <a href="http://www.defectivebydesign.org/">restringem o uso de seus produtos</a>. Iniciativas que tendem usar as tecnologias como ferramentas de controle, para benef&iacute;cio de poucos. Essa &eacute; uma batalha &aacute;rdua e longa que est&aacute; sendo travada globalmente, e vai ficar ainda mais feia nos pr&oacute;ximos anos. N&atilde;o podemos perd&ecirc;-la de vista.</p> <p>Al&eacute;m desse quadro atual de conflitos, tamb&eacute;m &eacute; importante trazer para a reflex&atilde;o as <em>novas possibilidades</em> das tecnologias digitais, que cada vez mais se distanciam daquela ideia equivocada que opunha o virtual ao real. A tecnologia que vem por a&iacute; n&atilde;o trata somente de computadores ou telefones m&oacute;veis para acessar a internet. Existe um amplo espectro de pesquisa e desenvolvimento que prop&otilde;e <em>novas fronteiras</em>: computa&ccedil;&atilde;o f&iacute;sica e realidade aumentada; redes ub&iacute;quas; <a href="http://www.wired.com/techbiz/startups/magazine/16-11/ff_openmanufacturing?currentPage=all">hardware aberto</a>; m&iacute;dia locativa; fabrica&ccedil;&atilde;o digital, prototipagem e a <a href="http://desvio.cc/blog/fazedorxs">cena maker</a>; <a href="http://internetofthings.eu">internet das coisas</a>; <a href="http://diybio.org">diybio</a>, ci&ecirc;ncia de garagem e <a href="http://medialab-prado.es/article/taller-seminario_interactivos10_ciencia_de_barrio">ci&ecirc;ncia de bairro</a>.</p> <p>A internet n&atilde;o &eacute; mais um assunto de mesas e computadores. A cada dia surgem mais tipos de aparelhos conectados. O exemplo &oacute;bvio s&atilde;o os telefones celulares com acesso &agrave; internet, mas &eacute; poss&iacute;vel ir muito al&eacute;m e pensar em <em>todo tipo de objeto</em> que pode se beneficiar de conectividade em rede. Interruptores de energia associados a sensores de temperatura e umidade, que podem prever quando a chuva est&aacute; chegando e fechar janelas automaticamente. Um enfeite de mesa que <a href="http://laboratorio.us/new/mail_alert.php">avisa quando voc&ecirc; recebeu email</a>. Chips RFID para identificar objetos. Aparelhos que monitoram o consumo dom&eacute;stico de energia el&eacute;trica e ajudam as pessoas a diminu&iacute;rem a conta de luz. Gra&ccedil;as ao hardware e ao software livres (e o conhecimento sobre como utiliz&aacute;-los), esse tipo de objeto conectado n&atilde;o precisa mais de uma grande estrutura para ser projetado e constru&iacute;do. Muito pelo contr&aacute;rio, eles podem ser criados a custo baixo, e adequados &agrave; demanda espec&iacute;fica de cada localidade, de cada situa&ccedil;&atilde;o. As pesquisas sobre <em>fabrica&ccedil;&atilde;o dom&eacute;stica, impress&atilde;o tridimensional e </em><a href="http://reprap.org/wiki/Main_Page"><em>prototipadoras replicantes</em></a> &nbsp;prometem uma nova revolu&ccedil;&atilde;o industrial: a partir do momento em que as pessoas podem imprimir utens&iacute;lios, ferramentas e quaisquer outros objetos em suas casas, o que acontece? Se um dia pudermos reciclar materiais pl&aacute;sticos em casa -desfazer objetos para transform&aacute;-los em outros - quais as consequ&ecirc;ncias disso na produ&ccedil;&atilde;o industrial como a conhecemos hoje? Em paralelo, quando come&ccedil;amos a misturar <em>coordenadas geogr&aacute;ficas com a internet m&oacute;vel</em>, que tipo de servi&ccedil;o pode emergir? Locais f&iacute;sicos podem enriquecidos com <em>camadas de informa&ccedil;&atilde;o</em>. E como a <em>ci&ecirc;ncia de garagem</em> pode enriquecer o aprendizado nas escolas p&uacute;blicas? Esque&ccedil;a o laborat&oacute;rio de qu&iacute;mica: hoje em dia, com hardware de segunda m&atilde;o, os alunos podem <em>montar seus pr&oacute;prios microsc&oacute;pios digitais</em>.</p> <p> </p> <h2>Laborat&oacute;rios Experimentais Locais</h2> <p>Os projetos que levam tecnologias de informa&ccedil;&atilde;o e comunica&ccedil;&atilde;o &agrave;s diferentes comunidades do Brasil n&atilde;o podem se limitar a <em>reproduzir os usos j&aacute; estabelecidos</em> dessas tecnologias - acesso &agrave; internet e impress&atilde;o de documentos. O que precisamos s&atilde;o <em>p&oacute;los locais de inova&ccedil;&atilde;o</em>, dedicados &agrave; experimenta&ccedil;&atilde;o e ao desenvolvimento de tecnologias livres. Esses p&oacute;los precisam ser descentralizados, mas enredados. Devem tratar de diversos assuntos, n&atilde;o somente acesso &agrave; internet: dialogar com escolas, projetos sociais, ambientais e educativos. Precisam acolher coletivos art&iacute;sticos, engenheiros aposentados, amadores apaixonados, empreendedores sociais, inventores em potencial. N&atilde;o podem ter medo de gerar renda, criar novos mercados. Precisam configurar-se em <em>laborat&oacute;rios experimentais locais</em>.</p> <p>No ano passado eu desenvolvi um projeto chamado <a href="http://redelabs.org">RedeLabs</a>, que tinha por objetivo investigar que tipo de laborat&oacute;rio de tecnologia era adequado ao Brasil dos dias atuais. A pesquisa foi documentada em um <a href="http://culturadigital.br/redelabs">weblog</a> e um <a href="http://redelabs.org">wiki</a>. Entre as minhas conclus&otilde;es, percebi que a <em>infraestrutura &eacute; mero detalhe</em>. Como dizia <a href="http://imaginarios.net/dpadua">Daniel P&aacute;dua</a>, &quot;<em>tecnologia &eacute; mato, o que importa s&atilde;o as pessoas</em>&quot;. Ainda assim, precisamos pensar em infraestrutura, mas indo al&eacute;m do trivial. O modelo &quot;computadores, banda larga, impressoras e c&acirc;mera&quot; &eacute; uma resposta adequada &agrave; demanda expl&iacute;cita de <em>locais para acesso &agrave; internet</em>. Mas temos tamb&eacute;m que tratar das demandas que n&atilde;o est&atilde;o expl&iacute;citas: criar condi&ccedil;&otilde;es para o <em>desenvolvimento de tecnologia livre brasileira</em>. Para isso, precisamos de massa cr&iacute;tica. Al&eacute;m de espa&ccedil;os configurados como p&oacute;los de inova&ccedil;&atilde;o livre, precisamos tamb&eacute;m dar as condi&ccedil;&otilde;es para o desenvolvimento de jovens talentos.</p> <p>Hoje em dia, jovens de cidades pequenas que t&ecirc;m potencial precisam <em>migrar para grandes centros</em> em busca de oportunidades. &Eacute; raro que voltem, levando a uma esp&eacute;cie de <em>&ecirc;xodo criativo</em>. Mesmo aqueles que chegam &agrave;s cidades grandes tamb&eacute;m precisam fazer uma escolha dif&iacute;cil: podem <em>vender seu talento criativo ao mercado</em> - por vezes de maneira equilibrada, mas em muitos casos limitando-se a ajudar quem tem dinheiro a ganhar mais dinheiro, ou ent&atilde;o trocando seu futuro por capital especulativo. Podem tamb&eacute;m tentar usar sua habilidade para ajudar a sociedade - mas viver de precariedade e instabilidade. Essa &eacute; uma <em>condi&ccedil;&atilde;o insustent&aacute;vel</em> para um pa&iacute;s que tanto precisa de inova&ccedil;&atilde;o e criatividade. Por que raz&atilde;o uma pessoa jovem, criativa, talentosa e consciente n&atilde;o encontra maneiras vi&aacute;veis de usar essas qualidades para ajudar a sociedade? Alguma coisa est&aacute; errada. E n&atilde;o me interessa que isso seja verdade no mundo inteiro. Estamos em uma &eacute;poca de transforma&ccedil;&otilde;es.</p> <h2>O sotaque tecnol&oacute;gico brasileiro</h2> <p>Existem pa&iacute;ses que nos anos recentes se tornaram emblem&aacute;ticos da <em>acelera&ccedil;&atilde;o</em> que as tecnologias possibilitam. A China terceiriza a <em>fabrica&ccedil;&atilde;o de hardware</em> - tem uma vasta oferta de m&atilde;o de obra, uma popula&ccedil;&atilde;o disciplinada e trabalhadora e um estado controlador que refor&ccedil;a essa disciplina, al&eacute;m da &quot;flexibilidade&quot; social, ambiental e de seguran&ccedil;a no trabalho. A &Iacute;ndia tem despontado na terceiriza&ccedil;&atilde;o de <em>telemarketing</em> - por conta tamb&eacute;m de grande oferta de m&atilde;o de obra, associada &agrave; educa&ccedil;&atilde;o em l&iacute;ngua inglesa - e no <em>desenvolvimento de software</em>, talvez relacionado &agrave;s suas faculdades que formam mais de uma centena de milhar de engenheiros a cada ano. A Coreia do Sul promoveu grandes avan&ccedil;os na <em>educa&ccedil;&atilde;o e treinamento t&eacute;cnicos</em> e colhe os frutos dessa escolha. E o Brasil? Tive a oportunidade de viajar algumas vezes nos &uacute;ltimos anos para localidades em diversos pa&iacute;ses - de Manchester a Bangalore. Em toda parte, existe uma grande curiosidade sobre o Brasil - um certo fasc&iacute;nio pela nossa <em>naturalidade em encarar transforma&ccedil;&otilde;es</em> (mais do que isso, um grande desejo pela transforma&ccedil;&atilde;o), pelo car&aacute;ter <em>iconoclasta</em> de algumas de nossas realiza&ccedil;&otilde;es, pela nossa <em>sociabilidade sem travas</em>. Com base nisso, fico pensando: qual &eacute; a nossa caracter&iacute;stica contempor&acirc;nea essencial? Antropof&aacute;gica, certamente. Tropicalista, sim.&nbsp;<em>Criativa</em>?</p> <p>At&eacute; h&aacute; pouco tempo, se falava que o povo brasileiro <em>n&atilde;o &eacute; empreendedor</em>. Essa vis&atilde;o absurdamente preconceituosa est&aacute; gradualmente mudando, &agrave; medida que nosso <em>sotaque criativo</em> &eacute; compreendido e tratado como tal. A <em>inova&ccedil;&atilde;o do cotidiano</em>, presente nos mutir&otilde;es e nas gambiarras (leia mais sobre&nbsp;<a href="http://desvio.cc/tag/gambiologia">gambiologia</a>), vem aos poucos sendo reconhecida n&atilde;o como atraso e sim como vantagem competitiva. Nossa criatividade n&atilde;o se enquadra facilmente nos <em>modelos pr&eacute;-definidos</em> das chamadas ind&uacute;strias criativas. Quando falo em criatividade, n&atilde;o me refiro somente &agrave; ind&uacute;stria de entretenimento e cultura, baseada na explora&ccedil;&atilde;o comercial da separa&ccedil;&atilde;o entre criadores e consumidores. N&atilde;o &eacute; aquele &quot;conte&uacute;do&quot; que n&atilde;o se relaciona com o contexto. &Eacute;, pelo contr&aacute;rio, o <em>esp&iacute;rito inovador que transborda no dia a dia</em>.</p> <p>Voltando ao ponto anterior - &nbsp;hoje em dia &eacute; poss&iacute;vel projetar solu&ccedil;&otilde;es tecnol&oacute;gicas baseadas em <em>conhecimento livre</em>, dispon&iacute;vel abertamente nas redes. Isso aliado a essa criatividade que temos no dia a dia tem o potencial de oferecer saltos tecnol&oacute;gicos consider&aacute;veis. A inova&ccedil;&atilde;o tecnol&oacute;gica tipicamente brasileira (com um qu&ecirc; da sensibilidade criativa da gambiarra)&nbsp;pode ser fomentada nos p&oacute;los de inova&ccedil;&atilde;o baseados em conhecimento livre. Ela pode ajudar a <a href="http://ubalab.org/blog/metareciclando-cidades-digitais">metareciclar as cidades digitais</a>. Isso possibilita que o desenvolvimento de tecnologias dialogue com as diferentes <em>realidades locais</em>.</p> <p>Todos sabemos o que acontece quando a tecnologia &eacute; desenvolvida sem contato com o cotidiano. Ela fica <em>espetacular, alienada e homog&ecirc;nea</em>. Vamos trazer a inova&ccedil;&atilde;o tecnol&oacute;gica de volta ao dia a dia, fazer com que ela seja n&atilde;o somente lucrativa mas tamb&eacute;m relevante. Que ajude a construir a sociedade conectada que queremos.&nbsp;Temos a oportunidade de provocar uma onda de criatividade aplicada em todas as regi&otilde;es do pa&iacute;s. Temos a oportunidade de provar que o Brasil &eacute; digno da fama de pa&iacute;s do futuro. Mas precisamos decidir qual &eacute; o futuro que queremos. J&aacute; deixamos de lado os <a href="http://futurosimaginarios.midiatatica.info/">futuros imagin&aacute;rios</a> da guerra fria. Nosso futuro pode ser um <em>futuro participativo, socialmente justo, que reconhe&ccedil;a m&eacute;rito, talento e dedica&ccedil;&atilde;o</em>. Precisamos da coragem para faz&ecirc;-lo. Aqui do meu pretenso <a href="http://ubalab.org">p&oacute;lo local de tecnologias livres no litoral de S&atilde;o Paulo</a>, me alisto para essa miss&atilde;o.</p> <blockquote> <p>Leia a primeira parte desse texto <a href="http://desvio.cc/blog/inovacao-e-tecnologias-livres-parte-1-decada-que-foi">aqui</a>.</p> </blockquote> http://desvio.cc/blog/inovacao-e-tecnologias-livres-parte-2-hojes-e-depois#comments conhecimento livre design estruturas gambiologia governo inovação software livre Fri, 14 Jan 2011 23:43:45 +0000 efeefe 196 at http://desvio.cc Gambiologia - A criatividade que nos faz humanos http://desvio.cc/blog/gambiologia-criatividade-que-nos-faz-humanos <blockquote> <p>Escrevi esse texto para o cat&aacute;logo da mostra <a href="http://www.gambiologos.com/">Gambi&oacute;logos</a>, que aconteceu <a href="http://desvio.cc/blog/gambhiologos">m&ecirc;s passado</a> em BH.</p> </blockquote> <p>Tr&ecirc;s minutos antes da abertura, artistas e integrantes da equipe de montagem ainda subiam e desciam as escadas do espa&ccedil;o Centoequatro carregando ferramentas e material. Aten&ccedil;&atilde;o totalmente concentrada na solu&ccedil;&atilde;o de quest&otilde;es de &uacute;ltima hora. N&atilde;o poderia ser diferente. Fred Paulino, idealizador e curador da exposi&ccedil;&atilde;o, conta que o Gambiociclo, pe&ccedil;a sua com Paulo Henrique 'Ganso' e Lucas Mafra que indica o caminho para a sala, &eacute; um trabalho em progresso - ela se transforma, ganha novos elementos, evolui ao longo de cada itera&ccedil;&atilde;o. Faz parte da maneira gambiol&oacute;gica de fazer as coisas: sempre em transforma&ccedil;&atilde;o.</p> <p>Antes mesmo de entrar na sala, um tapete feito de teclados de computador d&aacute; o tom l&uacute;dico, ir&ocirc;nico e iconoclasta que emerge da exposi&ccedil;&atilde;o. S&oacute; quem j&aacute; experimentou entende o prazer secreto de pisar em computadores, e os Gambi&oacute;logos resolveram compartilhar essa sensa&ccedil;&atilde;o com os visitantes. Como os exemplos de gambiarra abundam nas culturas brasileiras, Fred tra&ccedil;ou uma linha para a sele&ccedil;&atilde;o: as obras precisariam envolver (e questionar) tecnologias. A primeira impress&atilde;o ao circular pela mostra evoca justamente o questionamento do determinismo tecnol&oacute;gico - a suposta autoridade dos fabricantes de qualquer produto em encerrar seus usos poss&iacute;veis. Na Gambiologia, a afirma&ccedil;&atilde;o &quot;isso serve para...&quot; &eacute; substitu&iacute;da pela quest&atilde;o: &quot;o que pode ser feito com isso?&quot;. Essa invers&atilde;o est&aacute; presente nas colagens de artefatos como o &quot;Gabinete de Curiosidades Jean Baptiste 333&quot; ou o &quot;Trigger de Objetos Cotidianos&quot;. S&atilde;o reeditados tamb&eacute;m alguns j&aacute; conhecidos contrastes ou tens&otilde;es contempor&acirc;neas: anal&oacute;gico/el&eacute;trico (&quot;Furadeiras&quot;), anal&oacute;gico/eletr&ocirc;nico (&quot;Desconcerto&quot;), abstrato/sens&iacute;vel (&quot;Sequenciador de Papel&atilde;o + V^2&quot;). Outras obras ainda incorporam um maior grau de complexidade (&quot;Performance de desenho aut&ocirc;nomo&quot;, &quot;Self stimulating closed loop&quot;, &quot;Eyewriter&quot;), mas sem fugir do componente funcional e est&eacute;tico da baixa tecnologia.</p> <p>Mais do que mero elogio da precariedade, a Gambiologia promove uma conflu&ecirc;ncia entre a valoriza&ccedil;&atilde;o da sensibilidade do artes&atilde;o - o manuseio, o conhecimento t&aacute;cito, os materiais -, o reuso como caminho inclusive para a redu&ccedil;&atilde;o do impacto ambiental, o ativismo midi&aacute;tico e o experimentalismo criativo. Como pode ser efetivamente ouvido e sentido na mostra, a Gambiologia dialoga com os mundos do design e da arte, como um lembrete daquele impulso criador que opera no ru&iacute;do, no improviso, na cacofonia e na explora&ccedil;&atilde;o da indetermina&ccedil;&atilde;o - eterna tentativa de dominar e superar o programa da m&aacute;quina, como sugeria Flusser. Aquilo que no &quot;mundo real&quot;, longe das exposi&ccedil;&otilde;es de arte, &eacute; instintivo - a adapta&ccedil;&atilde;o criativa &agrave;s circunst&acirc;ncias - vira aqui um caminho est&eacute;tico consciente, que incorpora uma reflex&atilde;o &eacute;tica e pol&iacute;tica, cr&iacute;tica do consumismo insustent&aacute;vel, do mundo superficial da pose e das apar&ecirc;ncias. Que n&atilde;o se confunda a gambiologia com o design vernacular. Enquanto este captura elementos do cotidiano, aquela traz a criatividade t&aacute;cita das ruas para dentro do pr&oacute;prio processo de cria&ccedil;&atilde;o e desenvolvimento. Ela configura tamb&eacute;m uma ponte de liga&ccedil;&atilde;o entre essa pot&ecirc;ncia criativa de inspira&ccedil;&atilde;o popular brasileira com tend&ecirc;ncias que t&ecirc;m emergido recentemente em todo o mundo - a cena maker, as plataformas de hardware aberto como o Arduino, os laborat&oacute;rios de prototipagem e fabrica&ccedil;&atilde;o.</p> <p>O que pode surpreender no trabalho dos Gambi&oacute;logos &eacute; a familiaridade quase primitiva que ele emana - uma certa organicidade e a certeza do potencial de interconex&atilde;o e recombina&ccedil;&atilde;o entre os elementos constituintes de todas as obras expostas. Surge a sensa&ccedil;&atilde;o de que tudo ali pode ser reinterpretado, remanejado, remixado. As pe&ccedil;as trabalham com uma diversidade de materiais: canos, papel&atilde;o, computadores, hardware e software livre, latas de spray, c&acirc;meras, garrafas, motores de passo, sensores, liquidificadores, silver tape e por a&iacute; vai. Um hipot&eacute;tico exerc&iacute;cio colaborativo de reconstru&ccedil;&atilde;o - em que se desmontassem todas as obras e convocassem os artistas para criar outras com os mesmos materiais - seguramente resultaria em outros trabalhos interessantes e questionadores. O esp&iacute;rito gambiol&oacute;gico est&aacute; mais na atitude de enxergar o mundo como repleto de recursos interpret&aacute;veis de m&uacute;ltiplas formas do que nas escolhas espec&iacute;ficas de cada obra.</p> <p>A gambiarra est&aacute; associada ao tipo de adaptabilidade que em &uacute;ltima inst&acirc;ncia nos faz humanos - observar o entorno e, com o que temos &agrave; m&atilde;o, solucionar problemas. &Eacute; um conhecimento ancestral, que at&eacute; h&aacute; pouco aparecia espontaneamente nas culturas brasileiras como resultado da precariedade. Os eventuais bons mares do crescimento econ&ocirc;mico, da redistribui&ccedil;&atilde;o de renda e da maior oferta de produtos manufaturados n&atilde;o podem nos deixar esquecer dessa sabedoria cada vez mais necess&aacute;ria em um mundo de crises econ&ocirc;micas, colapso ambiental e demanda por criatividade. Iniciativas como a mostra Gambi&oacute;logos est&atilde;o a&iacute; para nos recordar disso.</p> <p><span id="1293499380125S">&nbsp;<br /> </span></p> <p>&nbsp;</p> http://desvio.cc/blog/gambiologia-criatividade-que-nos-faz-humanos#comments gambiologia mostras textos Tue, 28 Dec 2010 01:30:19 +0000 efeefe 194 at http://desvio.cc GamBHiólogos http://desvio.cc/blog/gambhiologos <p>No dia seguinte ao encerramento do <a href="http://culturadigital.br/forum2010">F&oacute;rum da Cultura Digital Brasileira</a> (onde organizei o <a href="http://culturadigital.br/redelabs/2010/11/encontro-redelabs-como-foi/">encontro Rede//Labs</a> e um painel internacional sobre <a href="http://culturadigital.br/redelabs/2010/12/painel-internacional-laboratorios-experimentais/">laborat&oacute;rios experimentais e cultura digital</a>), tomei um avi&atilde;o para BH. Fred Paulino e Lucas Mafra da <a href="http://www.gambiologia.net/blog/">Gambiologia</a>&nbsp;tinham me convidado para a abertura (e para escrever um <a href="http://desvio.cc/blog/gambiologia-criatividade-que-nos-faz-humanos">texto para o cat&aacute;logo</a>) da mostra <a href="http://www.gambiologos.com/">Gambi&oacute;logos</a>, que fazia parte do <a href="http://www.artemov.net/belohorizonte/">Arte.Mov BH</a>.</p> <p>O dia da viagem foi atribulado: logo de manh&atilde;, antes de sair para o aeroporto, tive a not&iacute;cia de que um grande amigo da fam&iacute;lia havia falecido em sua casa no interior do RJ. Para completar, era justamente a semana que completaria um ano do falecimento do <a href="http://twitter.com/dpadua">@dpadua</a>, e eu estava indo para a cidade onde ele cresceu. Engoli as l&aacute;grimas (o que na semana seguinte me trouxe uma t&iacute;pica dor de garganta) e fui. Eu ficaria bem no centro de BH, no hotel Othon - em um quarto que por algum motivo me fez pensar na casa da minha av&oacute;, talvez pelos m&oacute;veis de banheiro dos anos setentas.</p> <p>No fim da tarde, me encaminhei para o espa&ccedil;o <a href="http://www.centoequatro.org/">Centoequatro</a>. A mostra gambi&oacute;logos ainda estava sendo montada. Fiquei circulando pelo espa&ccedil;o at&eacute; a hora da abertura. Encontrei <a href="http://www.wired.com/beyond_the_beyond/">Bruce Sterling</a> circulando por l&aacute;, me apresentei pra ele, ouvi aquele sotaque texano rasgado perguntando onde encontraria um caf&eacute;. Na hora da abertura, dei mais uma passada na sala onde rolava o gambi&oacute;logos. Depois eu publico aqui o texto que mandei para o cat&aacute;logo. Gostei bastante da mostra, com uma boa diversidade de pe&ccedil;as - das mais conceituais &agrave;s mais pr&aacute;ticas, e uma linha coerente na sele&ccedil;&atilde;o e montagem. Dei uma passada pela mostra do Arte.mov no t&eacute;rreo, que tinha algumas coisas bem interessantes. Tive finalmente a oportunidade de conhecer Rita e Linus, que chegaram por l&aacute; com <a href="http://dricaveloso.wordpress.com/">Drica Veloso</a>, Lu e <a href="http://chgp.info/">CHGP</a>. Encontrei de novo alguns amigos que tinha visto na mesma semana durante o encontro Rede//Labs.&nbsp;</p> <p>No dia seguinte, ainda encontrei o Sterling outra vez no caf&eacute; da manh&atilde; do hotel. Fui l&aacute; tietar um pouco, pedi um aut&oacute;grafo pra guardar na minha edi&ccedil;&atilde;o de 1990 do <em>Piratas de Dados</em> (sic). Eu n&atilde;o fazia ideia que a simp&aacute;tica dama &agrave; sua frente na mesa era <a href="http://jasminatesanovic.wordpress.com/">Jasmina Tesanovic</a>, com quem eu estaria em um debate na semana seguinte em sampa. Peguei meu aut&oacute;grafo e rumei pro aeroporto, feliz com o dia ensolarado.</p> <p>&nbsp;</p> http://desvio.cc/blog/gambhiologos#comments aliadxs artemov bh gambiologia mostras trip Sat, 04 Dec 2010 02:11:56 +0000 efeefe 180 at http://desvio.cc AVLAB - Gambiologia - Vídeos http://desvio.cc/blog/avlab-gambiologia-v%C3%ADdeos <p>J&aacute; est&atilde;o dispon&iacute;veis os v&iacute;deos do <a href="http://desvio.weblab.tk/blog/gambiologia-avlab-ccj">encontro AVLAB</a> que eu e <a href="http://bikini.veredas.net">Maira</a> organizamos no CCJ no m&ecirc;s passado, com Gera Rocha, <a href="http://danielhora.wordpress.com/">Daniel Hora</a> e <a href="/desviantes/glaupaiva">Glauco Paiva</a>.</p> <p><iframe src="http://player.vimeo.com/video/14296054?color=ff0179" width="400" height="300" frameborder="0"></iframe></p> <p><a href="http://vimeo.com/14296054">AVLAB S&atilde;o Paulo #3 Gambiolgia - pt.01</a> from <a href="http://vimeo.com/ccesp">Centro Cultural da Espanha-AECID</a> on <a href="http://vimeo.com">Vimeo</a>.</p> <p><iframe src="http://player.vimeo.com/video/14300522?color=ff0179" width="400" height="300" frameborder="0"></iframe></p> <p><a href="http://vimeo.com/14300522">AVLAB S&atilde;o Paulo #3 Gambiologia - pt.02</a> from <a href="http://vimeo.com/ccesp">Centro Cultural da Espanha-AECID</a> on <a href="http://vimeo.com">Vimeo</a>.</p> <p>&nbsp;</p> http://desvio.cc/blog/avlab-gambiologia-v%C3%ADdeos#comments avlab cce ccj eventos gambiologia metareciclagem Mon, 23 Aug 2010 00:57:25 +0000 efeefe 179 at http://desvio.cc Gambiologia - AVLAB / CCJ http://desvio.cc/blog/gambiologia-avlab-ccj <p>Estou saindo daqui a pouco para o <a href="http://escuta.estudiolivre.org/">CCJ</a>, onde vai rolar a terceira edi&ccedil;&atilde;o brasileira do AVLAB. O <a href="http://medialab-prado.es/avlab2">AVLAB</a> surgiu no <a href="http://medialab-prado.es/">Medialab Prado</a>, em Madrid. Eu participei de uma das edi&ccedil;&otilde;es por l&aacute;, em 2008. Daniel Gonzales trouxe o formato para o Brasil em parceria com o <a href="http://ww2.ccebrasil.org.br/">Centro Cultural da Espanha</a>, e convidou a <a href="http://efeefe.no-ip.org">mim</a> e &agrave; <a href="http://bikini.veredas.net/">Maira</a> para organizarmos o encontro de hoje, tendo a <a href="/tag/gambiologia">gambiologia</a> como eixo.</p> <p>Os convidados ser&atilde;o <a href="http://danielhora.wordpress.com/">Daniel Hora</a>, Teia Camargo &amp;&nbsp;Gera Rocha, e <a href="/desviantes/glaupaiva">Glauco Paiva</a>. Em paralelo vamos aproveitar para lan&ccedil;ar o metalivro <a href="http://mutirao.metareciclagem.org/chamadas/gambiologia">Gambiologia</a>, que deve estar saindo em PDF nas pr&oacute;ximas horinhas...</p> <p>Mais sobre a programa&ccedil;&atilde;o <a href="http://mutirao.metareciclagem.org/Blog/Gambiologia-no-CCJ">aqui</a>.</p> <p> </p> <p>O AVLAB come&ccedil;a &agrave;s <strong>17hs</strong>.&nbsp;O CCJ fica na <a href="http://maps.google.com/maps?f=q&amp;source=s_q&amp;hl=pt-BR&amp;geocode=&amp;q=Av.+Deputado+Em%C3%ADlio+Carlos+3641+-+Vila+Nova+Cachoeirinha&amp;sll=37.0625,-95.677068&amp;sspn=25.565517,56.513672&amp;ie=UTF8&amp;hq=&amp;hnear=Av.+Dep.+Em%C3%ADlio+Carlos,+3641+-+Cachoeirinha,+S%C3%A3o+Paulo,+02721-200,+Brasil&amp;ll=-23.474623,-46.670244&amp;spn=0.007204,0.013797&amp;z=16&amp;iwloc=A">Av. Deputado Em&iacute;lio Carlos 3641 - Vila Nova Cachoeirinha.</a></p> http://desvio.cc/blog/gambiologia-avlab-ccj#comments aecid avlab cce ccj desviantes eventos gambiologia medialab prado sampa Sun, 04 Jul 2010 15:19:05 +0000 efeefe 177 at http://desvio.cc