mdcc http://desvio.cc/taxonomy/term/220/all pt-br Os Mendi e a gambiologia http://desvio.cc/blog/os-mendi-e-gambiologia <p>Tra&ccedil;os de Gambiologia em Sahlins: &quot;<a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S0104-93131997000100002">O &#39;pessimismo sentimental&#39; e a experi&ecirc;ncia etnogr&aacute;fica: por que a cultura n&atilde;o &eacute; um &#39;objeto&#39; em via de extin&ccedil;&atilde;o</a>&quot;.</p> <blockquote> <p>Os Mendi fazem at&eacute; j&oacute;ias a partir do lixo europeu. Quando Lederman e seu marido, Mike Merrill, iniciaram seu projeto de pesquisa, eles - compreende-se bem por qu&ecirc; - lamentaram a indig&ecirc;ncia dos Mendi, ao inv&eacute;s de saudar sua criatividade. Que outra conclus&atilde;o se poderia tirar de um povo que fabricava pulseiras a partir de latas de conserva e chap&eacute;us a partir de embalagens de p&atilde;o? De gente que, ap&oacute;s haver passado toda a sua vida descal&ccedil;a, agora andava com galochas largu&iacute;ssimas, ou &agrave;s vezes com um p&eacute; s&oacute; de uma galocha rasgada? De um povo que comprava r&aacute;dios caros que, entretanto, logo quebravam e n&atilde;o tinham como ser consertados? Merrill, um especialista em hist&oacute;ria do trabalho, concluiu que, embora essa apropria&ccedil;&atilde;o do refugo da &quot;civiliza&ccedil;&atilde;o&quot; n&atilde;o possu&iacute;sse nenhum significado funcional, ela devia significar algo &frac34; provavelmente um sentimento de priva&ccedil;&atilde;o afrontosa. &quot;Um p&eacute; de sapato&quot;, escreveu ele em seu di&aacute;rio, &quot;n&atilde;o tem utilidade, e provavelmente at&eacute; dificulta o andar (sobretudo se est&aacute; sem o salto... ). Mas um p&eacute; de sapato significa alguma coisa. Significa um desejo, por parte do dono, de ter um <i>par</i> de sapatos; e de ter n&atilde;o apenas sapatos, mas tudo o mais tamb&eacute;m&quot; (Lederman 1986a:7). Eis que, por falta de um p&eacute; de sapato, a cultura se perdeu. Utilizando uma antropologia do <i>ancien r&eacute;gime</i>, a velha l&oacute;gica funcionalista da correspond&ecirc;ncia necess&aacute;ria entre um tipo de tecnologia e a totalidade cultural, os etn&oacute;grafos se convenceram inicialmente de que os desejos dos Mendi por objetos estrangeiros iriam necessariamente atrel&aacute;-los aos significados e rela&ccedil;&otilde;es portados por essas mercadorias, a ponto de comprometer suas formas tradicionais de exist&ecirc;ncia:</p> <blockquote> <p>&quot;Pois machados de a&ccedil;o, tecidos industrializados, carros, servi&ccedil;os de mesa, arroz e peixe enlatado, pregos etc. n&atilde;o s&atilde;o objetos neutros [...]. Quando penetram na &aacute;rea, carregam de maneira vis&iacute;vel e influente suas origens sociais [...]. Os valores do mercado mundial acabam necessariamente predominando [...]. Ao fim e ao cabo, a estrutura social tradicional ser&aacute; erodida pela a&ccedil;&atilde;o corrosiva dos artigos que agora s&atilde;o usados de modo tradicional, mas que j&aacute; cont&ecirc;m dentro de si outras e mais poderosas inten&ccedil;&otilde;es&quot; (Lederman 1986a:7).</p> </blockquote> <p>N&atilde;o obstante, at&eacute; o in&iacute;cio dos anos 80, ap&oacute;s toda uma gera&ccedil;&atilde;o de experi&ecirc;ncia com o governo colonial e p&oacute;s-colonial, e ap&oacute;s uma experi&ecirc;ncia consider&aacute;vel com o mercado atrav&eacute;s da venda tanto de produtos como de m&atilde;o-de-obra, tal eros&atilde;o ainda n&atilde;o havia acontecido. Nem as mercadorias nem as rela&ccedil;&otilde;es envolvidas em sua aquisi&ccedil;&atilde;o haviam transformado as estruturas mendi de sociabilidade ou suas concep&ccedil;&otilde;es de uma exist&ecirc;ncia humana adequada &frac34; <i>a n&atilde;o ser no sentido de as intensificar</i>. Abastecidos de uma maior riqueza em dinheiro, conchas de madrep&eacute;rola, porcos e bens estrangeiros, os cerimoniais cl&acirc;nicos e as trocas entre parentes atingiram dimens&otilde;es in&eacute;ditas, tanto em termos de escala como de freq&uuml;&ecirc;ncia (Lederman 1985; 1986b:153). Os Mendi possuem agora cerim&ocirc;nias maiores e mais parentes do que jamais tiveram. Lederman observou que as rela&ccedil;&otilde;es sociais ind&iacute;genas haviam gerado uma demanda de moeda moderna bem maior que aquela exigida pelas inst&acirc;ncias locais do mercado capitalista (1986b:232). Refletindo acerca da disposi&ccedil;&atilde;o dos brancos para o consumo privado, um amigo Mendi caracterizou a economia europ&eacute;ia como um &quot;sistema de subsist&ecirc;ncia&quot;, em contraposi&ccedil;&atilde;o ao interesse de seu pr&oacute;prio povo em dar e receber, e que seria, este sim, um verdadeiro sistema de trocas (1986b:236). Por essa n&atilde;o se esperava...<sup><a name="top13"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S0104-93131997000100002#back13">13</a></sup></p> <p>Os Mendi, escreve Lederman, interagiam com os estrangeiros &quot;sem perder o sentido de si mesmos&quot; (1986b:9). O sistema cultural local &quot;ainda &eacute; a estrutura dentro da qual os Mendi definem, categorizam e orquestram os novos objetos e modos de agir que lhes foram apresentados durante a &uacute;ltima gera&ccedil;&atilde;o&quot; (1986b:227). Mas observe-se que invocar desse modo uma estrutura ou l&oacute;gica culturais, como sendo aquilo que orquestra a transforma&ccedil;&atilde;o hist&oacute;rica, n&atilde;o &eacute; o mesmo que falar de uma reprodu&ccedil;&atilde;o estereotipada do costume tradicional<i>. A tradi&ccedil;&atilde;o consiste aqui nos modos distintos como se d&aacute; a transforma&ccedil;&atilde;o</i>: a transforma&ccedil;&atilde;o &eacute; necessariamente adaptada ao esquema cultural existente. Nas terras altas da Nova Guin&eacute;, isso pode significar um desenvolvimento da competi&ccedil;&atilde;o cerimonial intercl&acirc;nica, ocorrendo concomitantemente ao decl&iacute;nio da guerra. Mas a competi&ccedil;&atilde;o pode se manifestar tamb&eacute;m em projetos de constru&ccedil;&atilde;o de igrejas (1986b:230)<sup><a name="top14"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S0104-93131997000100002#back14">14</a></sup>.</p> </blockquote> <p>&nbsp;</p> http://desvio.cc/blog/os-mendi-e-gambiologia#comments antropologia gambiologia mdcc metareciclagem Thu, 19 Apr 2012 21:15:06 +0000 efeefe 223 at http://desvio.cc