gambiarra http://desvio.cc/taxonomy/term/212/all pt-br Gambiarra studies http://desvio.cc/blog/gambiarra-studies <p>Nesta quinta embarco para o Catar para uma resid&ecirc;ncia, a convite da <a href="http://www.qatar.vcu.edu/">VCUQatar</a>. Vou passar duas semanas l&aacute; com um grupo de estudantes do <a href="http://www.qatar.vcu.edu/mfa">mestrado em design</a> da VCU, tratando de gambiarra. Para mim &eacute; uma oportunidade de articular minimamente o discurso da &quot;cultura de conserto&quot; que me parece uma cr&iacute;tica necess&aacute;ria &agrave; tal &quot;cultura maker&quot;. Vamos ver o quanto d&aacute; pra avan&ccedil;ar sobre isso.</p> http://desvio.cc/blog/gambiarra-studies#comments catar gambiarra gambiologia projetos residências Mon, 27 Oct 2014 11:58:14 +0000 efeefe 235 at http://desvio.cc Fabricação, conserto e "porque dá" http://desvio.cc/blog/fabricacao-conserto-e-porque-da <p>Raquel Renn&oacute; mandou pela <a href="https://www.facebook.com/raquel.renno1/posts/10152349315779856">rede social do capeta</a> um bom artigo no Medium com o t&iacute;tulo &quot;<a href="https://medium.com/re-form/just-because-you-can-doesnt-mean-you-should-252fdbcf76c8">Yes we can. But should we?</a>&quot;, que levanta uma vis&atilde;o um pouco mais cr&iacute;tica pra toda a coisa da &quot;cultura maker&quot;. Traduzindo livremente um trecho:</p> <blockquote> <p>Parece haver uma confus&atilde;o conceitual sobre o que a impress&atilde;o 3D possibilita ou n&atilde;o. Ela nos permite encantar uma crian&ccedil;a de quatro anos criando praticamente do nada um mini Darth Vader? Sim, permite. Mas o objeto n&atilde;o se materializa do nada. Uma impressora 3D consome de cinquenta a cem vezes mais energia el&eacute;trica para fazer um objeto do que o processo de inje&ccedil;&atilde;o de pl&aacute;stico moldado. Al&eacute;m disso, as emiss&otilde;es de uma impressora 3D de mesa s&atilde;o similares a queimar um cigarro ou cozinhar em um fog&atilde;o a g&aacute;s ou el&eacute;trico. E o material escolhido para todas essas novas coisas que estamos clamando por fazer &eacute; esmagadoramente o pl&aacute;stico. De certo modo, &eacute; um deslocamento ambiental para o lado inverso, contrapondo-se a leis recentes para reduzir o uso de pl&aacute;stico que banem sacolas pl&aacute;sticas e estimulam a reformula&ccedil;&atilde;o de embalagens. Ao mesmo tempo em que mais pessoas levam sacolas de tecido para o supermercado, o pl&aacute;stico se acumula em outros campos, da Techshop &agrave; Target.</p> </blockquote> <p>De fato, a moda corrente da tal &quot;cultura maker&quot; exibe algumas caracter&iacute;sticas dignas de questionamento. Uma delas &eacute; justamente essa orienta&ccedil;&atilde;o ao &quot;make&quot;, que cristaliza com vocabul&aacute;rio o h&aacute;bito de &quot;fazer&quot; coisas, mas &eacute; usualmente interpretado simplesmente como &quot;fabricar novas coisas&quot;. N&atilde;o que a cultura maker tenha sido assim desde o in&iacute;cio. Ainda acho que existia um romantismo nos primeiros tempos (bem capturado no <a href="http://desvio.cc/blog/fazedorxs">Makers</a> de Cory Doctorow), em que a &ecirc;nfase vinha de fazer as coisas com as m&atilde;os, experimentar, desviar usos, aproveitar ao m&aacute;ximo os recursos &agrave; volta. Um esp&iacute;rito que por esses lados a gente aproxima da gambiarra (aqui um monte de <a href="http://desvio.cc/tag/gambiologia">posts</a> e <a href="http://links.metareciclagem.org/tags.php/gambiologia">links</a> sobre &quot;gambiologia&quot;, que tamb&eacute;m &eacute; o nome do <a href="http://gambiologia.net">coletivo mineiro</a>).</p> <p>Mas daquilo que inicialmente surgia como postura cr&iacute;tica ao consumismo exacerbado, a assim chamada cultura maker hoje parece ter virado somente mais um produtinho na grande prateleira das ideias prontas para vender no capitalismo hiperconectado. A&iacute; um monte de gente com seus Macbooks se junta para comprar <a href="http://makerbot.com/">Makerbots</a> e ficar brincando de inventar o novo produto que vai estourar nos mercados. E no meio do caminho jogam fora um monte de pl&aacute;stico derretido para prototipar o melhor suporte de ipad do mundo.</p> <p>Nem vou falar de novo sobre o desperd&iacute;cio de oportunidades quando os talentos voltam-se somente ao mercado. J&aacute; falei isso <a href="http://efeefe.no-ip.org/livro/lpd/inovacao-tecnologias-livres-2">em 2011</a>, e n&atilde;o vi muita coisa mudar desde ent&atilde;o:</p> <blockquote> <p>Hoje em dia, jovens de cidades pequenas que t&ecirc;m potencial precisam <em>migrar para grandes centros</em> em busca de oportunidades. &Eacute; raro que voltem, o que leva a uma esp&eacute;cie de <em>&ecirc;xodo criativo</em>. Mesmo aqueles que chegam &agrave;s cidades grandes tamb&eacute;m precisam fazer uma escolha dif&iacute;cil: podem <em>vender seu talento criativo ao mercado</em> - por vezes de maneira equilibrada, mas em muitos casos limitando-se a ajudar quem tem dinheiro a ganhar mais dinheiro; ou ent&atilde;o trocar seu futuro por capital especulativo. Podem tamb&eacute;m tentar usar suas habilidades para ajudar a sociedade - mas para isso precisam conviver com precariedade e instabilidade. Essa &eacute; uma <em>condi&ccedil;&atilde;o insustent&aacute;vel</em> para um pa&iacute;s que tanto precisa de inova&ccedil;&atilde;o e criatividade. Por que raz&atilde;o uma pessoa jovem, criativa, talentosa e consciente n&atilde;o encontra maneiras vi&aacute;veis de usar essas qualidades para ajudar a sociedade? Alguma coisa est&aacute; errada. E n&atilde;o me interessa que isso seja verdade no mundo inteiro. Estamos em uma &eacute;poca de transforma&ccedil;&otilde;es e de expectativas altas.</p> </blockquote> <p>Mas al&eacute;m desse v&iacute;cio no mercado e no vocabul&aacute;rio da ind&uacute;stria (fabrica&ccedil;&atilde;o, prot&oacute;tipos, e de carona v&ecirc;m junto o p&uacute;blico-alvo, a guerrilha e todas aquelas deprimentes met&aacute;foras b&eacute;licas), essas iniciativas passam longe de qualquer preocupa&ccedil;&atilde;o com sustentabilidade. E olha que j&aacute; existem constru&ccedil;&otilde;es conceituais muito interessantes no m&iacute;nimo para refletir, como o <a href="http://www.cradletocradle.com/">cradle to cradle</a> (que por mais inexequ&iacute;vel que seja oferece ao menos bons argumentos para refletir sobre as finalidades dos esfor&ccedil;os criativos). E a impress&atilde;o que tenho aqui no Brasil &eacute; que se est&aacute; jogando fora a gambiarra (que &eacute; nossa, tropicalizada, prec&aacute;ria e adapt&aacute;vel) por uma imagem idealizada de cultura maker limpinha dos labs do primeiro mundo. Sendo que a gambiarra parece ter muito mais pot&ecirc;ncia do que a linguagem dos prot&oacute;tipos industriais, como <a href="http://medialab-prado.es/article/gambiarra">sugeriu o Gabriel Menotti</a>. Aqui um <a href="http://redelabs.org/livro/labs-no-mundo">trecho da minha disserta&ccedil;&atilde;o</a> sobre isso:</p> <blockquote> <p>Para o pesquisador brasileiro Gabriel Menotti (MENOTTI, 2010), o prot&oacute;tipo &eacute; um objeto cr&iacute;tico de sua pr&oacute;pria fun&ccedil;&atilde;o. Em outras palavras, o prot&oacute;tipo s&oacute; existiria enquanto etapa anterior &agrave; concretiza&ccedil;&atilde;o da vers&atilde;o definitiva de um produto. Entretanto, &agrave; medida em que a topologia da fabrica&ccedil;&atilde;o se modifica - como parece ser o caso com a cultura maker - a utiliza&ccedil;&atilde;o da ideia de prot&oacute;tipo induziria a um prematuro encerramento de possibilidades dos objetos, com a nega&ccedil;&atilde;o de seus diversos usos potenciais. Afirmar um objeto como prot&oacute;tipo implica assumir que ele tem uma exist&ecirc;ncia funcional definida de antem&atilde;o. Menotti sugere a necessidade de pensar outras defini&ccedil;&otilde;es para os objetos resultantes da criatividade aplicada &agrave;s novas tecnologias de fabrica&ccedil;&atilde;o digital. Para ele a gambiarra, ao contr&aacute;rio do prot&oacute;tipo, caracterizaria o objeto improvisado cuja individua&ccedil;&atilde;o &eacute; realizada pelo pr&oacute;prio usu&aacute;rio, possivelmente mais adequada a tempos p&oacute;s-industriais. No limite, a perspectiva da gambiarra estimula uma maior diversidade de maneiras de apropria&ccedil;&atilde;o e inven&ccedil;&atilde;o, a partir da explora&ccedil;&atilde;o de indetermina&ccedil;&otilde;es materiais. Em outras palavras, aumentam-se as possibilidades criativas &agrave; medida em que se recusa o encerramento e delimita&ccedil;&atilde;o das fun&ccedil;&otilde;es poss&iacute;veis para determinado objeto ou conjunto de objetos. Mais do que replicar em escala local os processos industriais, &eacute; poss&iacute;vel pensar em outras formas de relacionamento com as tecnologias digitais de confec&ccedil;&atilde;o e transforma&ccedil;&atilde;o de objetos. Focar no conserto em vez da fabrica&ccedil;&atilde;o pode ser uma via potente de inven&ccedil;&atilde;o e resist&ecirc;ncia.</p> </blockquote> <p>E para continuar na viagem egoc&ecirc;ntrica (como j&aacute; fui categorizado por um mala por a&iacute;), mais um trecho da disserta&ccedil;&atilde;o:</p> <blockquote> <p>De fato, em uma &eacute;poca na qual a humanidade produz quantidades imensas e crescentes de lixo cuja propor&ccedil;&atilde;o potencial de reciclagem pode no m&aacute;ximo manter-se est&aacute;vel, a mera sugest&atilde;o de multiplicarem-se os meios de fabrica&ccedil;&atilde;o de novos objetos deveria ser profundamente questionada. A alternativa, utilizar as tecnologias de fabrica&ccedil;&atilde;o para produzirem-se pe&ccedil;as que possibilitem a reutiliza&ccedil;&atilde;o de materiais, equipamentos e objetos, n&atilde;o encontra tanta repercuss&atilde;o na m&iacute;dia de tecnologia (e ainda menos, como &eacute; de se esperar, na de neg&oacute;cios).</p> <p>Sintomaticamente, <a href="http://refab-space.org/">James Wallbank</a> afirma que a impressora 3D &eacute; o mais complexo e menos &uacute;til dos equipamentos que tipicamente constituem um lab de fabrica&ccedil;&atilde;o. Em suas vers&otilde;es acess&iacute;veis, ela tem baixa resolu&ccedil;&atilde;o - resultando em objetos com apar&ecirc;ncia de inacabados, bruto. Os objetos produzidos raramente s&atilde;o recicl&aacute;veis. E a gera&ccedil;&atilde;o de arquivos para produzir objetos com elas exige o dom&iacute;nio de mais conhecimento abstrato e softwares espec&iacute;ficos. Ainda assim, Wallbank sugere que a impressora 3D fala ao imagin&aacute;rio e aos desejos de futuro de camadas maiores da popula&ccedil;&atilde;o. Para ele, entretanto, a cortadora laser &eacute; um dos equipamentos com maior potencial de gerar inova&ccedil;&atilde;o concreta, uma vez que j&aacute; pode entregar produtos acabados ou semiacabados. Costuma contar o caso de um designer gr&aacute;fico desempregado que frequentava o ReFab Space e projetou um modelo de caixa para o minicomputador Raspberry Pi. Com o n&uacute;mero de encomendas recebidas, ele montou uma oficina com algumas cortadoras laser, que utiliza para fabricar as caixas. J&aacute; teria contratado tr&ecirc;s pessoas para trabalhar com ele.</p> <p>No Brasil, os Fablabs ainda est&atilde;o limitados em grande medida ao &acirc;mbito acad&ecirc;mico. Alguns hackerspaces t&ecirc;m suas impressoras 3D, mas via de regra est&atilde;o ali por enquanto mais como curiosidades do que instrumentos de produ&ccedil;&atilde;o. &Eacute; digno de nota, por outro lado, que alguns dos equipamentos listados nas recomenda&ccedil;&otilde;es para Fablabs, como cortadoras de vinil adesivo e m&aacute;quinas de bordar, estejam (h&aacute; tempos) presentes em empresas de sinaliza&ccedil;&atilde;o e faixas em qualquer periferia urbana, quiosques de shopping centers e afins. &Eacute; poss&iacute;vel imaginar que os laborat&oacute;rios de fabrica&ccedil;&atilde;o teriam maior potencial transformador quando associados a projetos de inclus&atilde;o social atrav&eacute;s do empreendedorismo - incorporando a penetra&ccedil;&atilde;o j&aacute; existente dessas tecnologias, naturalizando a gambiarra como objeto inovador em si mesmo e valorizando a inventividade cotidiana. Contudo, ainda s&atilde;o raros os projetos que se arriscam nessa seara.</p> </blockquote> <p>E para encerrar o festival de autocita&ccedil;&otilde;es, uma nota de rodap&eacute; sobre as impressoras 3D:</p> <blockquote> <p>A pr&oacute;pria nomenclatura utilizada para denomin&aacute;-la[s] indica um foco primordial em caracter&iacute;sticas t&eacute;cnicas - a impressora 3D se diferencia das impressoras de papel, que produziriam (&quot;somente&quot;) em duas dimens&otilde;es. Pode-se tentar uma interpreta&ccedil;&atilde;o alternativa, segundo a qual a impressora 3D permite &quot;dar sa&iacute;da&quot; a arquivos gerados em softwares de modelagem tridimensionais, mas isso &eacute; jogar a mesma limita&ccedil;&atilde;o conceitual para o software. Outros nomes, como &quot;m&aacute;quinas de prototipagem r&aacute;pida&quot;, como discuti acima, tamb&eacute;m carregam muito mais do que se costuma refletir - por que precisar&iacute;amos pensar que elas s&oacute; se prestam a prot&oacute;tipos? Uma solu&ccedil;&atilde;o poss&iacute;vel seria deixar de lado a dicotomia improdutiva entre duas ou tr&ecirc;s dimens&otilde;es e cham&aacute;-las de &quot;impressoras de coisas&quot; ou &quot;fabricadoras de coisas&quot;. Afinal, em um Makerspace s&atilde;o utilizadas lado a lado ferramentas bidimensionais e tridimensionais.</p> </blockquote> <p>Enfim, algumas inquieta&ccedil;&otilde;es que j&aacute; estavam latentes mas o artigo recomendado pela Raquel fez despertar de novo. Daqui a dois meses darei um curso sobre gambiarra e &quot;repair culture&quot; e pretendo retomar algumas dessas reflex&otilde;es. Por enquanto, o &uacute;nico coment&aacute;rio: gambiarra vale muito mais do que a maker culture. E daqui a cinco anos, quando a moda passar, a gambiarra vai continuar necess&aacute;ria. Espero que n&atilde;o tenha sido deixada de lado pelos ventos do hype.</p> http://desvio.cc/blog/fabricacao-conserto-e-porque-da#comments cultura maker fabricação gambiarra gambiologia metareciclagem refab space Fri, 19 Sep 2014 23:28:10 +0000 efeefe 234 at http://desvio.cc Apropriação crítica http://desvio.cc/blog/apropriacao-critica <h1> Apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica</h1> <h2> Industrializa&ccedil;&atilde;o e distanciamento</h2> <p>As &uacute;ltimas centenas de anos presenciaram profundas mudan&ccedil;as na maneira como produzimos coisas. At&eacute; meados do s&eacute;culo XIX, os bens eram manufaturados por artes&atilde;os. Roupas, m&oacute;veis, utens&iacute;lios dom&eacute;sticos, objetos decorativos, medicamentos, armas, ferramentas, instrumentos cient&iacute;ficos &ndash; praticamente tudo era feito &agrave; m&atilde;o, e quase sempre vendido localmente. Sucessivas inova&ccedil;&otilde;es na fabrica&ccedil;&atilde;o de objetos, transforma&ccedil;&otilde;es nas formas como as sociedades se organizavam, a cria&ccedil;&atilde;o de novos meios de transporte e o acesso a imensas fontes de mat&eacute;rias-primas e outros recursos naturais nas col&ocirc;nias alavancaram a chamada <em>revolu&ccedil;&atilde;o</em> <em>industrial,</em> a partir da Europa e em dire&ccedil;&atilde;o ao resto do mundo.<br /> Atrav&eacute;s da mecaniza&ccedil;&atilde;o e da produ&ccedil;&atilde;o em s&eacute;rie, a produtividade aumentou exponencialmente. Bens que anteriormente s&oacute; estavam dispon&iacute;veis &agrave;s elites puderam ser oferecidos a todos, passando a ser considerados necessidades b&aacute;sicas. A qualidade de vida de uma consider&aacute;vel parcela da popula&ccedil;&atilde;o aumentou, em um ritmo sem precedentes.</p> <p>Isso tudo potencializou outras transforma&ccedil;&otilde;es. Ganhou espa&ccedil;o crescente a democracia representativa (&ldquo;o pior sistema pol&iacute;tico, com exce&ccedil;&atilde;o de todos os outros que foram tentados&rdquo;, segundo Churchill). Formaram-se as <a href="http://ubalab.org/blog/metareciclando-cidades-digitais">cidades contempor&acirc;neas</a>, ambiente prop&iacute;cio para a atividade industrial: uma maior concentra&ccedil;&atilde;o urbana oferece m&atilde;o de obra a custo baixo e mercados din&acirc;micos para escoar a produ&ccedil;&atilde;o. A sociedade tornou-se mais complexa, suas rela&ccedil;&otilde;es mediadas por grandes organiza&ccedil;&otilde;es e institui&ccedil;&otilde;es. Uma entre as muitas consequ&ecirc;ncias dessas mudan&ccedil;as foi o gradual distanciamento entre produtores e consumidores. E &eacute; importante analisar essa divis&atilde;o.</p> <p>Antes da produ&ccedil;&atilde;o industrial, a fabrica&ccedil;&atilde;o era um processo manual e consciente. O artes&atilde;o dominava praticamente todas as etapas do tratamento e transforma&ccedil;&atilde;o de mat&eacute;rias-primas em produtos. O conhecimento sobre o processo fabril tinha muito valor, e era transmitido de gera&ccedil;&atilde;o em gera&ccedil;&atilde;o. Existia a possibilidade do contato pessoal entre quem fabricava alguma coisa e aqueles que a utilizavam. Por mais que o artes&atilde;o pudesse contestar interfer&ecirc;ncias em seu trabalho e negar-se a atender a pedidos, algum di&aacute;logo era sempre poss&iacute;vel. Por outro lado, ele tamb&eacute;m precisava saber usar aquilo que fabricava. Ou seja, deveria ser ele mesmo o mais exigente de seus usu&aacute;rios. Com o passar dos anos, o artes&atilde;o aplicado tornava-se mestre em seu of&iacute;cio, formando novas gera&ccedil;&otilde;es e incrementando o dom&iacute;nio t&eacute;cnico daquela &aacute;rea do conhecimento como um todo.</p> <p>O desenvolvimento da produ&ccedil;&atilde;o industrial teve fortes implica&ccedil;&otilde;es nesse contexto, &agrave; medida em que afastou a produ&ccedil;&atilde;o do consumo, ao ponto da desconex&atilde;o total. Criaram-se mundos totalmente separados. De um lado ficaram os oper&aacute;rios na ind&uacute;stria, os bra&ccedil;os respons&aacute;veis pela fabrica&ccedil;&atilde;o dos produtos. S&atilde;o at&eacute; hoje pessoas que em sua maioria conhecem apenas uma &iacute;nfima parte do processo de fabrica&ccedil;&atilde;o. Muitas vezes elas n&atilde;o utilizam os produtos que fabricam, e frequentemente nem saberiam como faz&ecirc;-lo. Repetidamente juntam uma pe&ccedil;a com a outra, apertam parafusos, empilham, verificam o resultado e tornam a repetir o processo, como o personagem de Chaplin em &ldquo;<a href="http://www.imdb.pt/title/tt0027977/">Tempos Modernos</a>&rdquo;. Por n&atilde;o terem uma vis&atilde;o geral do processo, essas pessoas necessitam de chefes que as orientem, disciplinem e controlem. J&aacute; esses chefes tornam-se por sua vez mais uma classe &agrave; parte, os gerentes. Respons&aacute;veis pela domestica&ccedil;&atilde;o da for&ccedil;a de trabalho, s&atilde;o em geral conservadores, bajuladores da elite e avessos a mudan&ccedil;as.</p> <p>J&aacute; na outra ponta da industrializa&ccedil;&atilde;o - o &ldquo;mercado consumidor&rdquo; - cada indiv&iacute;duo passou a ser visto muito mais como um comprador em potencial do que como sujeito social. Em vez do contato pessoal com os produtores, resignou-se &agrave; impessoalidade do marketing e dos setores de atendimento ao consumidor das grandes empresas. N&atilde;o sabe mais quem foram as pessoas que produziram aquilo que compra, e &eacute; levado a nem se interessar por isso.</p> <p>Nesse cen&aacute;rio, alguma coisa humana se perdeu. &Eacute; tristemente real a anedota da crian&ccedil;a que, perguntada sobre de onde vem o leite, responde que vem &ldquo;da caixinha&rdquo;. Mais triste ainda &eacute; perceber qu&atilde;o mais inconscientes ainda somos quando adultos. Essa ignor&acirc;ncia se estende para praticamente todos os produtos industrializados. &Eacute; raro o momento em que paramos para pensar como, onde e por quem s&atilde;o feitas as coisas que nos cercam, de onde vieram as mat&eacute;rias-primas que deram origem a essas coisas, ou mesmo se determinado produto funcionaria melhor se fosse feito de outra forma. Existe a ilus&atilde;o de que tudo &eacute; feito por m&aacute;quinas, de que o elemento humano n&atilde;o existe mais. E isso est&aacute; longe de ser verdade: todo produto tem em sua origem recursos naturais. Todo produto requer um esfor&ccedil;o criativo inicial seguido por sucessivas fases de trabalho manual, frequentemente realizado sob condi&ccedil;&otilde;es prec&aacute;rias. N&atilde;o percebemos, mas estamos sempre usando ou carregando objetos &ndash; roupas, aparelhos, m&oacute;veis, tudo &ndash; que embutem peda&ccedil;os do planeta, ideias e suor.</p> <h2> Obsolesc&ecirc;ncia programada</h2> <p>O andar da hist&oacute;ria amplificou ainda mais a tend&ecirc;ncia industrial ao distanciamento e &agrave; frieza na rela&ccedil;&atilde;o entre fabrica&ccedil;&atilde;o e uso. A era dos mercados de massa, impulsionada por novos meios de transporte e comunica&ccedil;&atilde;o, alcan&ccedil;aria n&iacute;veis sem precedentes de afastamento e distor&ccedil;&atilde;o.</p> <p>Como retratado no recente document&aacute;rio produzido pela TV espanhola &ldquo;<a href="http://lixoeletronico.org/blog/obsolescencia-programada">Comprar, tirar, comprar</a>&rdquo; (&ldquo;Comprar, jogar fora, comprar&rdquo;), em meados do s&eacute;culo XX representantes de grandes corpora&ccedil;&otilde;es industriais se reuniram secretamente para estabelecer que seus produtos deveriam durar <em>menos</em> tempo. Ou seja, frente &agrave; necessidade visceral das corpora&ccedil;&otilde;es continuarem crescendo ano ap&oacute;s ano, seus dirigentes simplesmente decidiram a portas fechadas que os consumidores teriam acesso a produtos menos dur&aacute;veis, que precisariam ser substitu&iacute;dos em prazos menores! O document&aacute;rio d&aacute; um exemplo emblem&aacute;tico: uma esta&ccedil;&atilde;o de bombeiros norte-americana onde se encontra uma l&acirc;mpada incandescente, que recentemente completou cem anos de idade, e ainda est&aacute; em funcionamento. Nos dias de hoje, as l&acirc;mpadas s&atilde;o deliberadamente fabricadas para durar um n&uacute;mero limitado de horas de uso. Ou seja, nenhuma l&acirc;mpada fabricada hoje vai durar cem anos. E isso n&atilde;o &eacute; coincid&ecirc;ncia: &eacute; &ldquo;planejamento estrat&eacute;gico&rdquo;, no jarg&atilde;o corporativo.</p> <p>O mesmo acontece com impressoras, meias-cal&ccedil;as, autom&oacute;veis, eletrodom&eacute;sticos e muitos outros produtos. Essa &eacute; uma tend&ecirc;ncia intencional, chamada de <em>obsolesc&ecirc;ncia</em> <em>programada</em>. Segundo essa perspectiva, qualquer produto s&oacute; vale alguma coisa para o fabricante at&eacute; o instante em que &eacute; vendido. A partir do momento que est&aacute; em posse do consumidor, quanto antes for descartado melhor. Em outras palavras, qualquer produto vendido j&aacute; &eacute; considerado lixo. Essa vis&atilde;o se perpetua nos dois lados do processo produtivo: tanto atrav&eacute;s dos gerentes que se sobrep&otilde;em &agrave; m&atilde;o de obra industrial, condicionando seu trabalho &agrave; continuada necessidade de aumentar o faturamento e a lucratividade, produzindo coisas que duram menos tempo; quanto nos departamentos de marketing, que se esfor&ccedil;am em condicionar o comportamento dos consumidores para que continuem comprando produtos novos, mesmo que n&atilde;o precisem deles. Existem setores da administra&ccedil;&atilde;o de empresas especializados em simular relacionamentos prolongados com seus clientes, que s&atilde;o vistos n&atilde;o mais como compradores de produtos (e menos ainda como pessoas), mas sim fontes de faturamento para toda a vida.</p> <p>&Eacute; importante perceber o peso desses mediadores. Um engenheiro competente e bem intencionado que queira desenhar um produto mais dur&aacute;vel ou que permita o reuso ser&aacute; provavelmente demovido por seus colegas e chefia. Se insistir, a empresa pode at&eacute; consider&aacute;-lo uma esp&eacute;cie de traidor, por conta de uma alegada necessidade de competir pelo desenvolvimento de produtos que durem menos e proporcionem maior lucro, a fim de &ldquo;n&atilde;o perder espa&ccedil;o para a concorr&ecirc;ncia&rdquo;. E o mais assustador &eacute; que nesses ambientes isso &eacute; tratado quase como uma verdade universal. As escolas de neg&oacute;cios fazem uma lavagem cerebral, repetindo frases feitas com o objetivo de desumanizar ainda mais a produ&ccedil;&atilde;o e comercializa&ccedil;&atilde;o de bens e servi&ccedil;os.</p> <p>Outro elemento importante a perceber: as empresas em geral se utilizam de linguagem b&eacute;lica para descrever suas atividades: &ldquo;p&uacute;blico-alvo&rdquo;, &ldquo;derrotar os oponentes&rdquo;, &ldquo;conquistar&rdquo;, &ldquo;dominar&rdquo;. N&atilde;o &eacute; por acaso. Guerra e com&eacute;rcio est&atilde;o conectados h&aacute; muito tempo. A produ&ccedil;&atilde;o industrial, e com ela o poder corporativo, est&aacute; ligada profundamente &agrave; manuten&ccedil;&atilde;o das estruturas de poder na sociedade. O premiado document&aacute;rio brit&acirc;nico &ldquo;<a href="http://www.imdb.pt/title/tt0432232/">M&aacute;quinas de Felicidade</a>&rdquo; (The Century of the Self) mostra como t&eacute;cnicas oriundas da psicologia foram utilizadas desde o come&ccedil;o do s&eacute;culo XX para forjar uma sociedade individualista e politicamente fr&aacute;gil, lan&ccedil;ando m&atilde;o do h&aacute;bito do consumo como indulg&ecirc;ncia acess&iacute;vel a todos. Isso vai muito al&eacute;m da produ&ccedil;&atilde;o e do com&eacute;rcio, infantiliza a popula&ccedil;&atilde;o, e tem reflexos profundos na rela&ccedil;&atilde;o das pessoas com as tecnologias que adquirem.</p> <h2> A quem pertencem os objetos?</h2> <p>Quando pagamos por um produto, acreditamos poder fazer o que quisermos com ele. Isso deveria incluir todos os usos previstos pelo fabricante, al&eacute;m de todos os outros usos que quis&eacute;ssemos propor. Nas condi&ccedil;&otilde;es atuais, pode n&atilde;o ser bem assim. Particularmente em rela&ccedil;&atilde;o a eletr&ocirc;nicos, existe uma s&eacute;rie de restri&ccedil;&otilde;es legais sobre como podemos utiliz&aacute;-los. S&atilde;o cada vez mais frequentes os casos de fabricantes que penalizam os usu&aacute;rios que promovem o desvio de fun&ccedil;&otilde;es de seus aparelhos. Um exemplo: a Sony <a href="http://yro.slashdot.org/story/01/10/28/005233/Sony-Uses-DMCA-To-Shut-Down-Aibo-Hack-Site">amea&ccedil;ou judicialmente</a> entusiastas por desenvolverem software que habilitava o rob&ocirc; Aibo a dan&ccedil;ar. Em outras palavras: a empresa proibiu usu&aacute;rios &ndash; que, diga-se de passagem, pagaram caro pelos equipamentos que compraram - de fazerem usos que ela pr&oacute;pria n&atilde;o consegue oferecer. Por mera compuls&atilde;o de controle, ela interfere em um aspecto fundamental para a promo&ccedil;&atilde;o da inova&ccedil;&atilde;o e seu potencial de transforma&ccedil;&atilde;o social: a chamada <em>indetermina&ccedil;&atilde;o</em> <em>do</em> <em>objeto</em> <em>t&eacute;cnico,</em> ideia bem desenvolvida pelo franc&ecirc;s Gilbert de Simondon (cujos textos v&ecirc;m sendo traduzidos ao portugu&ecirc;s e disponibilizados na internet por <a href="http://rede.metareciclagem.org/wiki/DialogosCasinhaNovaes">Thiago Novaes</a>).</p> <p>Esse v&iacute;cio de controle n&atilde;o se limita ao software. Existem tamb&eacute;m crescentes restri&ccedil;&otilde;es ao armazenamento e circula&ccedil;&atilde;o de conte&uacute;do. Por exemplo, se voc&ecirc; comprar um CD de m&uacute;sica e fizer uma c&oacute;pia de seguran&ccedil;a para manter as m&uacute;sicas caso o CD se extravie ou seja furtado, estar&aacute; incorrendo em crime. Mesmo que n&atilde;o tenha a inten&ccedil;&atilde;o de distribuir para outras pessoas, a ind&uacute;stria fonogr&aacute;fica imp&otilde;e uma legisla&ccedil;&atilde;o que trata a todos como criminosos. A <a href="http://fsf.org">Funda&ccedil;&atilde;o Software Livre</a> mant&eacute;m uma campanha chamada &ldquo;<a href="http://www.defectivebydesign.org/">Deliberadamente defeituosos</a>&rdquo;, atrav&eacute;s da qual critica os aparelhos eletr&ocirc;nicos que adotam sistemas de gerenciamento de direitos autorais. Afirma que esses equipamentos j&aacute; s&atilde;o projetados de maneira a retirar liberdades de seus usu&aacute;rios, o que tem consequ&ecirc;ncias negativas para o conhecimento humano em geral.</p> <p>O autor de literatura <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Cyberpunk">ciberpunk</a> <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Gibson">William Gibson</a> diz que &ldquo;a rua encontra seus pr&oacute;prios usos para as coisas&rdquo;. Isso &eacute; uma caracter&iacute;stica de todo e qualquer objeto, ainda mais presente em se tratando de ferramentas com m&uacute;ltiplos usos potenciais como computadores, roteadores, telefones, tablets e afins. Com um pouco de habilidade t&eacute;cnica, uma boa pesquisa na internet e muita vontade, um monitor LCD pode virar um projetor, uma impressora matricial se transformar em instrumento de m&uacute;sica, uma webcam servir de base para um microsc&oacute;pio digital, um celular ser usado como leitor de c&oacute;digo de barras. Nesse sentido, restri&ccedil;&otilde;es &agrave; liberdade de uso tendem a frear o impulso criativo. Grupos de pessoas motivadas e com liberdade de experimentar s&atilde;o uma das bases da inova&ccedil;&atilde;o. Se n&atilde;o fossem os amadores promovendo o desvio de fun&ccedil;&atilde;o dos kits de eletr&ocirc;nica nos anos setenta, talvez o computador pessoal nunca tivesse sido inventado. Precisamos garantir que essa liberdade continue existindo.</p> <h2> Apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica e bricotecnologia</h2> <p>Ao longo do tempo e dos diversos projetos desenvolvidos pela rede <a href="http://rede.metareciclagem.org">MetaReciclagem</a>, trabalhamos sempre entre dois extremos: de um lado a ado&ccedil;&atilde;o r&aacute;pida de novas tecnologias e das novas possibilidades que elas trazem, do outro a cr&iacute;tica ao consumismo superficial. A busca do equil&iacute;brio parece estar no que costumamos chamar de <em>apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica</em> das tecnologias. Ela toma forma na aproxima&ccedil;&atilde;o entre produ&ccedil;&atilde;o e uso de conhecimento aplicado que tem emergido internacionalmente. O software livre &eacute; um exemplo, estimulando ciclos econ&ocirc;micos que em vez de operarem em fun&ccedil;&atilde;o da escassez optam pela abund&acirc;ncia e pela generosidade. A chamada cena <em>maker</em> &eacute; um exemplo ainda mais concreto: pessoas no mundo inteiro fazendo uso de conhecimento compartilhado em rede para criar objetos e dispositivos interconectados. Disso saem ideias para aparelhos que realizam praticamente qualquer coisa: esta&ccedil;&otilde;es de monitoramento ambiental, objetos fabricados em impressoras 3D, prot&oacute;tipos de aparelhos focados nas necessidades de pequenos grupos de pessoas. Eu tenho chamado isso de <em>bricotecnologia</em> &ndash; a revaloriza&ccedil;&atilde;o do saber-fazer, aplicado &agrave;s tecnologias de informa&ccedil;&atilde;o e operando em rede.</p> <p>A apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica passa pela valoriza&ccedil;&atilde;o da inova&ccedil;&atilde;o cotidiana, representada pela pr&aacute;tica popular da <a href="/tag/gambiologia"><em>gambiarra</em></a>. S&iacute;mbolo do impulso criativo orientado &agrave; solu&ccedil;&atilde;o de problemas concretos mesmo sem acesso ao conhecimento, ferramentas ou materiais adequados, a gambiarra torna-se ainda mais importante em uma &eacute;poca de crise econ&ocirc;mica global, iminente colapso ambiental e consumismo exacerbado. Baseia-se na <em>manipula&ccedil;&atilde;o</em> (entendida como o ato pegar com as m&atilde;os e interferir nos objetos) e na <em>experimenta&ccedil;&atilde;o</em> (sequ&ecirc;ncia de tentativas, erros e novas tentativas). D&aacute; origem a uma criatividade desobediente, que n&atilde;o se assusta com a precariedade e sempre v&ecirc; o mundo como lotado de potencialidades - uma verdadeira li&ccedil;&atilde;o que as culturas populares brasileiras t&ecirc;m a dar em tempos de crise econ&ocirc;mica, colapso ambiental e disparidade social.</p> <p>Quando em contato com as in&uacute;meras possibilidades das tecnologias de comunica&ccedil;&atilde;o em rede, em especial aquelas ligadas ao <em>software livre</em>, temos um potencial de transforma&ccedil;&atilde;o gigantesco. Indiv&iacute;duos que tenham a gambiarra como habilidade essencial, e se utilizem do conhecimento aberto dispon&iacute;vel em rede para adquirir ideias e t&eacute;cnicas, podem ser vistos como inventores em potencial de novos arranjos criativos, espalhados por todas as classes sociais e localidades.</p> <p>A apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica sup&otilde;e o amadorismo &ndash; que vem do latim <em>amare</em>, referindo-se &agrave;s pessoas que se dedicam a um of&iacute;cio mais por paix&atilde;o do que por necessidade objetiva. Ao contr&aacute;rio do que muitas vezes se pensa, os amadores est&atilde;o em geral mais abertos &agrave; inova&ccedil;&atilde;o. Justamente por n&atilde;o terem o dom&iacute;nio completo da t&eacute;cnica estabelecida e por n&atilde;o ocuparem posi&ccedil;&atilde;o nas hierarquias profissionais, t&ecirc;m mais espa&ccedil;o para o desvio e a transforma&ccedil;&atilde;o. T&ecirc;m a possibilidade de questionar certezas e imposi&ccedil;&otilde;es, e com isso descobrir melhores maneiras de fazer as coisas.</p> <p>Outro tra&ccedil;o caracter&iacute;stico das culturas populares que faz muito sentido para a apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica de tecnologias de comunica&ccedil;&atilde;o &eacute; o <em>mutir&atilde;o</em> &ndash; agrupamento din&acirc;mico que se forma para cumprir tarefas coletivas e em seguida se desfaz. O mutir&atilde;o possibilita a efetiva coopera&ccedil;&atilde;o entre pessoas e grupos, aumentando sua capacidade individual e promovendo uma sociabilidade livre e produtiva. As redes sociais online dialogam muito bem com a l&oacute;gica do mutir&atilde;o, promovendo la&ccedil;os de contato entre pessoas que n&atilde;o t&ecirc;m um conv&iacute;vio cotidiano. &Eacute; natural que a abertura a novos contatos estimule a criatividade, de modo que estimular iniciativas din&acirc;micas em rede &eacute; mais uma forma de potencializ&aacute;-la.</p> <p>A bricotecnologia e a apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica sugerem a reconcilia&ccedil;&atilde;o entre manufatura e necessidades cotidianas, libertando a fabrica&ccedil;&atilde;o da exig&ecirc;ncia de escala. Gabriel Menotti prop&ocirc;s, no artigo &ldquo;<a href="http://medialab-prado.es/article/gambiarra">Gambiarra: The Prototyping Perspective</a>&rdquo; (artigo cuja tradu&ccedil;&atilde;o para portugu&ecirc;s deve sair na compila&ccedil;&atilde;o sobre &ldquo;<a href="http://rede.metareciclagem.org/wiki/MutiraoGambioLogia">Gambiologia</a>&rdquo; do <a href="http://mutgamb.org">MutGamb</a>, uma edi&ccedil;&atilde;o que ironicamente est&aacute; h&aacute; dois anos aguardando finaliza&ccedil;&atilde;o), a an&aacute;lise do contraste entre a gambiarra e o prot&oacute;tipo. Se esta indica uma fase pr&eacute;via &agrave; fabrica&ccedil;&atilde;o propriamente dita, aquela dissolve a fronteira entre esses dois estados e se coloca como solu&ccedil;&atilde;o intermedi&aacute;ria: servindo ao uso ao mesmo tempo em que se mant&eacute;m aberta para reinven&ccedil;&atilde;o. Uma vez que as ferramentas e materiais necess&aacute;rios para fabricar objetos est&atilde;o se tornando cada vez mais acess&iacute;veis, &eacute; importante desenvolver as habilidades t&eacute;cnicas e a criatividade que podem fazer uso desses recursos, e assegurar que apontem a ciclos de inova&ccedil;&atilde;o baseados em conhecimento livre. A apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica, a bricolagem, a gambiarra e o mutir&atilde;o s&atilde;o elementos fundamentais dessa equa&ccedil;&atilde;o.</p> <hr /> <pre> <em>Este artigo foi escrito com o apoio do <a href="http://www.ccebrasil.org.br/">Centro Cultural da Espanha em S&atilde;o Paulo</a> para a plataforma <a href="http://arquivovivo.org.br/redelabs">Arquivo Vivo</a>.</em></pre> http://desvio.cc/blog/apropriacao-critica#comments apropriação fabricação gambiarra gambiologia metareciclagem mutirão redelabs revolução industrial tecnologia Fri, 23 Dec 2011 02:42:37 +0000 efeefe 215 at http://desvio.cc