redes

Me organizando posso desorganizar

Há alguns meses, encontrei o broda Oliver Schultz em um evento no centro de sampa. Ele me entregou alguns livros que saíram pelo postmedialab. Um deles era o Provocative Alloys, que contém uma conversa entre Oliver, Alejo Duque e eu na qual minha parte deve soar razoavelmente datada. A conversa aconteceu antes das manifestações de junho. Ali no meio havia, se bem lembro, alguns comentários meus sobre a inércia do engajamento político no Brasil em tempos de inclusão consumista. Infelizmente, o livro só saiu depois que os fatos haviam contradito esses comentários. Me enganei, e ainda não entendi se fico feliz por isso ou não.

Mas havia também outras publicações no meio. Nesta virada de ano tive a oportunidade de ler uma deles, o livro "Organisation of the organisationless: Collective action after networks", do professor da PUC-Rio Rodrigo Nunes. Confesso que não conhecia o trabalho de Nunes, e achei bem interessantes algumas contribuições que ele dá ao vocabulário das redes. Em primeiro lugar buscando formas intermediárias entre os extremos do indivíduo e da multidão. E também trabalhando questões que, percebi ao ler, eram de certa forma correntes nos tempos mais ativos da rede MetaReciclagem (que na minha opinião, como já falei na lista, já morreu mas anda por aí como um ancestral que permanece por perto pra dar umas dicas ou incomodar de vez em quando). Nunes trata da questão das lideranças distribuídas - afirmando que existe naturalmente um papel de lideranças mas também o potencial para o surgimento de novas lideranças. Na MetaReciclagem, chegamos algumas vezes a conversar também sobre a importância da autossabotagem consciente das lideranças - um tipo de bloqueio com a intenção de anular a inércia que frequentemente seguia-se aos processos de ascendência. Foi interessante ver alguns desses elementos estruturados no texto de Nunes.

Segue abaixo uma seleção de trechos que assinalei enquanto lia. Encontrei também um artigo de Nunes na Universidade Nômade que trata de alguns assuntos que estão na publicação.

To say that leadership exists in networks while absolute horizontality does not has nothing to do with the fantasy of ‘hidden leaders’ that functions, in the discourse of the media and the political class, as the underside of the fantasy of throngs of previously unrelated individuals magically coming together around a goal. (p.13)

The discussion ceases to be about how to achieve absolute horizontality, which will have been demonstrated to be impossible, or how to eliminate leadership, representation and closure, and becomes about how to negotiate them, what balances to strike between openness and closure, dispersion and unity, strategic action and process and so forth. (p.13)

Any description such as ‘Egyptian Revolution network-system’ or ‘Diren Gezi network-system’ is a reflection on the given network-system. That is, while they are obviously produced from within that network-system, and thus presuppose its existence, they exist at a second-order, reflexive level in which the network-system consciously apprehends itself. If the network-system is the ‘movement’ in-itself, this level is the ‘movement’ for-itself. We can call it the network-movement: the conscious, self-reflexive understanding held by some that the multiple elements and layers assembled in the network-system constitute an interacting system of actors, intentions, goals, actions, affects etc., however heterogeneous these may be. The network-movement is at once the act of self-recognition that takes place when people start talking about ‘the movement’ to refer to these heterogeneous elements, and the ensemble that they have in mind when they do so. (p. 25)

As such, the network-movement is a prerequisite for strategic and tactical thinking. Whereas ‘the movement’ inevitably implies some presupposition of a unity that is not given, ‘network-movement’ starts from a dynamic multiplicity – a dynamic system whose parts are also dynamic systems – and points towards the continuous project of the construction of commons, temporary or permanent, whose form is not presupposed in advance. The choice for either dispersion or unification is not inscribed in advance in the notion of a network-movement. On the contrary, the idea of network-movement opens the possibility that several ways of combining the two – swarming, distributed action, diversity of tactics, institutionalisation, forking, even (why not?) parties – can be selected according to what the occasion requires. Once these are considered in the context of a network-system, the point is not what solution is valid for the whole, but what solutions work within the whole. (p.29)

Leadership occurs as an event in those situations in which some initiatives manage to momentarily focus and structure collective action around a goal, a place or a kind of action. They may take several forms, at different scales and in different layers, from more to less ‘spontaneous’. This could be a crowd at a protest suddenly following a handful of people in a change of direction, a small group’s decision to camp attracting thousands of others, a newly created website attracting a lot of traffic and corporate media attention, and so forth. The most important characteristic of distributed leadership is precisely that these can, in principle, come from anywhere: not just anyone (a boost, no doubt, to activists’ egalitarian sensibilities) but literally anywhere. (p. 35)

Distributed leadership is therefore to be understood as the combination of a topological property (the presence of hubs) and two dynamic ones (hubs can increase and decrease, and new hubs can appear or, alternatively, nodes can ‘lead’ without necessarily becoming a hub or authority in the process). If the first of these entails that networks are constitutively unable to become the perfectly flat, totally transparent, absolutely horizontal media they are sometimes posited as at least potentially being, the latter two indicate the measure of democracy they can be said to have. Individual networks can of course be more or less democratic according to how distributed leadership potential is, and how open they are to new initiatives and hubs emerging. It is only if we understood ‘democracy’ as synonymous with ‘absolute horizontality’ that they could be called undemocratic. Horizontality, despite being an impossible goal to achieve, has its use as a regulative principle, indicating the need to cultivate the two dynamic properties of distributed leadership. (p.39)

Not everyone needs to back an initiative, although it requires support proportional to its aims; but what is backed is not a group or position that exists outside the strategic wager which the initiative embodies, but the wager itself. This amounts to occupying the vanguard-function, or being a vanguard, without vanguardism. (p. 43)

 

Materialismo, tempo, sociabilidade

Bruce Sterling, no encerramento do Reboot 11 (em 2009):

"Para pessoas da sua geração e especialmente suas crianças, objetos são impressões [printouts]. São melhor entendidos como impressões. Não são tesouros, não são coisas que você quer, não são coisas para estocar, não são riqueza material, são basicamente relacionamentos sociais congelados. É isso que essas cadeiras são, e esse prédio, e aquela fita isolante e tudo mais.

Vocês precisam pensar neles não em termos de 'Oh, eu tenho essa caneta e preciso manter minha caneta.' Vocês precisam pensar nesses objetos em termos de horas de tempo e volume de espaço."

E mais tarde:

"Agora, você pode argumentar que d"eve economizar e só comprar coisas baratas, ou tentar desmaterializar. Não ser materialista, e contentar-se com coisas que são muito baratas ou orgânicas. Esse não é o caminho a seguir. Economizar não é social. Quando você economiza, você está deixando outra pessoa com fome. De verdade. Se você não der dinheiro a elas, elas não terão nenhum dinheiro. E se elas não te oferecerem nenhum dinheiro, você não terá nenhum dinheiro. Isso não é um fluxo social, nem mesmo um relacionamento social.""

Anilla Cultural - CCSP

Em 24 de novembro, o Centro Cultural da Espanha e o Centro Cultural Vergueiro organizaram um debate sobre "Possibilidades criativas na internet de segunda geração", como parte do projeto Anilla Cultural - que está integrando instituições culturais da América Latina e Espanha através de internet (muito) rápida. Os convidados eram Giselle Beiguelman, Janete El Haouli, Lali Krotoszynski e Lucas Bambozzi, moderados por Miguel Gondim de Castro.

Giselle trouxe o referencial da tecnofagia. Falou sobre o Gregório Praia Ipanema, sobre o Eita, Porra e mais algumas coisas. Janete compartilhou experiências com rádio experimental. Lali contou de suas experiências com dança, rolando simultaneamente em lugares diferentes. Lucas Bambozzi mencionou diversas ações de arte em rede que realizou desde os anos noventa, sugerindo que estamos em um momento de descoberta e invenção - não temos referências sobre o que vem por aí, é necessário testar diversas possibilidades. >>Leia mais

CPOV - Wikipédia e Políticas de Conhecimento Livre

Recebi do pessoal do Institute of Network Cultures essa chamada (já traduzida para português!) para algumas ações que buscam trazer uma perspectiva crítica para a Wikipedia. Mais informações aqui.

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Wikipédia e Políticas de Conhecimento Livre1 

Proposta para uma rede de pesquisa, duas conferências e um reader2 

Organizado pelo Center for Internet & Society (Bangalore, Índia) e o Institute of Network Culutres (Amsterdam, Holanda) 

Não seria exagero dizer que a Wikipédia está prestes a se tornar, de fato, a referência mundial do conhecimento dinâmico. As visíveis desavenças entre líderes de opinião, professores de universidade, ‘evangelistas’ da Web 2.0 e editores com relação a exatidão, anonimidade, confiança, vandalismo e perícia parecem apenas alimentar o crescimento da Wikipédia e sua base de usuários. Com respeito a isto, o que significa hoje em dia dizer que a Wikipédia virou mainstream3  >>Leia mais

Medialabs - pra quê mesmo? (2)

Continuando um assunto dos últimos dois posts: há uns meses fui convidado para uma conversa em sampa sobre medialabs. Não pude estar presente, mas mandei umas considerações por email. Alguns argumentos são os mesmos do último post, mas aqui eu dissertei mais sobre eles:

Quero primeiro me apresentar: sou Felipe Fonseca, um dos fundadores da rede MetaReciclagem, que conta com algumas centenas de pessoas em todo o Brasil atuando na apropriação crítica de tecnologias da informação para finalidades diversas: arte, educação, transformação social, etc. Trabalhei nos primeiros anos da ação Cultura Digital no projeto Cultura Viva do Minc, e hoje sou um dos articuladores do núcleo Desvio do Weblab.tk, que atua principalmente com experimentação em novas mídias. Também sou um dos criadores da rede internacional Bricolabs, que conta com integrantes em todo o mundo. >>Leia mais

Medialabs - pra quê mesmo? (1)

Do texto para um projeto que não saiu, há uns meses:

Em março passado, durante uma das sessões do Paralelo, o inglês Mike Stubbs questionou qual era o papel de um centro de artes nos dias de hoje. A pergunta pode ser estendida para o contexto dos medialabs: em um cenário no qual o acesso a tecnologias de produção e publicação de mídias está cada vez mais facilitado, um cenário em que as redes abertas fazem a informação circular diretamente entre as pessoas, qual a razão de existir um laboratório de mídia? A dinâmica do trabalho criativo tem se transformado de forma cada vez mais rápida, e a estratégia "build it and they'll come" não faz mais sentido. Para incentivar a produção criativa, é necessária uma sensação de liberdade de apropriação e de gestão compartilhada, no sentido da reconstrução da própria idéia de espaço público.

Mais do que oferecer simplesmente uma estrutura, os medialabs mais interessantes de hoje em dia - hangar, medialab prado, eyebeam, entre outros - engajam-se em diálogo cada vez mais aberto e crítico com o meio com o qual se relacionam, e tornam-se espaços de referência e intercâmbio, cabeças de rede, muito mais agenciando conversas do que expressando sua própria perspectiva.

Esse diálogo reside potencialmente em qualquer espaço, desde que se baseie em uma posição de abertura autêntica. Em um primeiro momento, toda conversa nesse sentido vai parecer a reafirmação de posições já existentes: as pessoas vão reclamar da mesma coisa que já reclamaram, colocar demandas que já sabem que têm. Mas trabalhando alguns fatores-chave é possível ir além e construir uma conversa propositiva de ocupação e apropriação coletivas de espaços simbólicos.

Apropriação de redes

Da mesma forma que com os medialabs, a criação e dinamização de redes não pode se limitar à estrutura. Um traço característico das culturas brasileiras é justamente a força que as redes adquirem no cotidiano. Chama a atenção em todo o mundo o nosso nível profundo de apropriação de ambientes sociais online, o recorde mundial de horas conectados, a naturalidade da gramática da rede. Algumas das iniciativas brasileiras mais relevantes no cenário da mídia eletrônica são exatamente aquelas que se configuram como redes abertas (por exemplo, projetos que venceram ou levaram menção honrosa no Prix Ars Electronica - Overmundo, MetaReciclagem, Mídia Tática). Queremos tratar essa perspectiva não só como ferramenta ou estrutura, mas como eixo conceitual, a construção de novos horizontes sobre espaços experimentais e de produção artística, e entender como isso dialoga com nossa maneira única de negociar os espaços cotidianos. Em outras palavras, não só usar uma rede para falar sobre arte, mas essencialmente tratar a própria rede como um projeto experimental. >>Leia mais

Interdependência enredada

Mandando minha colaboração para a blogagem coletiva do Dia da In(ter)dependência.

Por conta de alguns movimentos recentes, mas ainda seguindo uma obsessão que já dura sete anos, tenho conversado bastante sobre a MetaReciclagem nas últimas semanas. Orlando trouxe uma imagem interessante - o reacesso - que com certeza faz bastante sentido para mim. No processo de coleta e compilação do História da / Histórias de MetaReciclagem, uma das coisas mais importantes para mim foi poder revisitar hoje - com um pouquinho mais de experiência - as ações, ideias e insights do passado, minhas e nossas.

Tem um aspecto obviamente constrangedor: eu certamente não escreveria algumas coisas, não tomaria algumas decisões, e colocaria algumas coisas de modo diferente hoje em dia. Mas também traz a possibilidade de aplicar uma perspectiva histórica - afinal sete anos não são tão pouco tempo - e entender como as ideias se desenrolam e desenvolvem com o tempo. Essa dobra ajuda a trazer novas possibilidades para o futuro, ao passo que também segura um pouco a megalomania (hm, ok, não segura muito não). >>Leia mais

MetaIndependência

Como diz Espinosa: Liberdade não é um direito. É uma conquista. Eu acho que independência também não é dada. Há de se hackear.

Independência desde sempre foi a proposta do MetaReciclagem. Não foi por acaso que o MetaRec entrou no circuito da mídia tática. E, sob esse espirito tem participado efetivamente do processo de apropriação da tecnologia para a transformação social.

Não sei se é apenas a minha percepção. Mas eu creio que o MetRec tem contribuído de forma impactante para a revolução que fazemos parte. A pegada do nosso tempo nos apresenta mudanças drásticas de como a sociedade está se moldando. Pensar que uma grande parte das pessoas conectadas são consideradas fora da lei simplesmente por baixar músicas, filmes, publicar conteúdo proprietário. Projetos como o sabotagem apenas informam que a multidão hiperconectrada não está afins de respeitar o copyright. Ninguém segura essa explosão de necessidades.

Copyright é apenas uma questão. Não adianta conhecer o que está invisível para uma grande parte da população. Atuar no gap informacional em quaisquer instâncias tem sido o nosso campo de ação. Oficinas, conversas, desconferências são espaços de agenciamentos coletivos. O conhecimento quer ser livre. As pessoas querem o acesso livre. Esse é um enclave para se conquistar. A MetaIndepência de links, de agenciamentos, de generosidades e daquilo que nos faz continuar a ser humanos. Essa é a forma da revolução se propagar. >>Leia mais

Sem fio - plataforma etérea

Como comentei no post anterior, já há algum tempo temos articulado referências sobre possibilidades relacionadas a redes sem fio. No começo era uma curiosidade técnica, mais uma potencial expansão de horizontes do eterno jogo de descoberta que é brincar com tecnologia livre (o que faz com que muita gente - eu incluído - acabe se dedicando a projetos que não dizem nada para outras pessoas, justamente porque não conseguem explicar essa dimensão do fascínio da descoberta, mas isso é outro assunto). Com o tempo, acabei misturando a pesquisa de redes sem fio com a exploração conceitual de paralelos entre magia e tecnologia (mais sobre isso no meu blog de tecnomagia). Também começava a formular uma questão: como pode se articular a perspectiva da MetaReciclagem e das várias mimoSas que rolaram por aí - que demonstram de maneira muito concreta o potencial da apropriação crítica de tecnologias - com esse universo mais etéreo das redes sem fio. >>Leia mais

Sem fio - contexto, caminhos e bases

Uma das obsessões fundadoras do projeto metá:fora e da MetaReciclagem era a ideia de mobilidade e de redes sem fio. Alguns dos primeiros rascunhos de projeto que surgiram tinham a ver com dispositivos móveis, e uma das forças motrizes que nos fizeram necessitar de computadores para experiências era uma ideia alimentada pelo dpadua de criar infra-estruturas de rede autônomas com base nos projetos de redes wi-fi metropolitanas. De lá pra cá, percorremos muitos caminhos paralelos, fizemos um monte de experiências, mas essa possibilidade sempre nos acompanhou. >>Leia mais