gambiologia

Inovação e tecnologias livres - parte 2 - hojes e depois

No post anterior, eu comentei sobre o sucesso que alcançamos em algumas batalhas da luta conceitual que começamos há quase uma década: hoje, quase todo mundo entendeu que iniciativas livres, abertas e colaborativas podem ser muito mais inovadoras do que as fechadas e proprietárias. Quase todo mundo entendeu que as redes online estão aí entremeadas em vários aspectos do cotidiano das pessoas, não só para fazer negócios ou perpetuar uma relação autoritária de transmissão de conhecimento em um só sentido. Quase todo mundo entendeu que é possível pensar em tecnologias apropriadas para a transformação social. Agora precisamos ir adiante, entender quais são os perigos do caminho e pensar em quais são os próximos passos. Esse post se propõe a levantar algumas dessas possibilidades.

O acesso é só o começo. Nos dias de hoje e no futuro próximo, a separação entre incluídos e excluídos está se reduzindo cada vez mais. Mas existe uma outra tensão à qual precisamos ficar atentos: a tensão entre tecnologias de confiança e tecnologias de controle (como exposto por Sean Dodson no prefácio do Internet of Things, de Rob van Kranenburg). Essa situação já está à nossa porta. Por mais que tenhamos avançado substancialmente nos últimos anos, existem ameaças cada vez maiores à liberdade que em última instância é a matéria-prima para a inovação na internet. São congressistas elaborando leis para controlar a rede invadindo a privacidade de seus usuários. São empresas de telecomunicações que não respeitam a neutralidade da rede. Associações de propriedade intelectual que associam o compartilhamento à pirataria (e empresas jornalísticas que usam a lei para silenciar críticas bem-humoradas). Fabricantes de hardware que deliberadamente restringem o uso de seus produtos. Iniciativas que tendem usar as tecnologias como ferramentas de controle, para benefício de poucos. Essa é uma batalha árdua e longa que está sendo travada globalmente, e vai ficar ainda mais feia nos próximos anos. Não podemos perdê-la de vista.

Além desse quadro atual de conflitos, também é importante trazer para a reflexão as novas possibilidades das tecnologias digitais, que cada vez mais se distanciam daquela ideia equivocada que opunha o virtual ao real. A tecnologia que vem por aí não trata somente de computadores ou telefones móveis para acessar a internet. Existe um amplo espectro de pesquisa e desenvolvimento que propõe novas fronteiras: computação física e realidade aumentada; redes ubíquas; hardware aberto; mídia locativa; fabricação digital, prototipagem e a cena maker; internet das coisas; diybio, ciência de garagem e ciência de bairro.

A internet não é mais um assunto de mesas e computadores. A cada dia surgem mais tipos de aparelhos conectados. O exemplo óbvio são os telefones celulares com acesso à internet, mas é possível ir muito além e pensar em todo tipo de objeto que pode se beneficiar de conectividade em rede. Interruptores de energia associados a sensores de temperatura e umidade, que podem prever quando a chuva está chegando e fechar janelas automaticamente. Um enfeite de mesa que avisa quando você recebeu email. Chips RFID para identificar objetos. Aparelhos que monitoram o consumo doméstico de energia elétrica e ajudam as pessoas a diminuírem a conta de luz. Graças ao hardware e ao software livres (e o conhecimento sobre como utilizá-los), esse tipo de objeto conectado não precisa mais de uma grande estrutura para ser projetado e construído. Muito pelo contrário, eles podem ser criados a custo baixo, e adequados à demanda específica de cada localidade, de cada situação. As pesquisas sobre fabricação doméstica, impressão tridimensional e prototipadoras replicantes  prometem uma nova revolução industrial: a partir do momento em que as pessoas podem imprimir utensílios, ferramentas e quaisquer outros objetos em suas casas, o que acontece? Se um dia pudermos reciclar materiais plásticos em casa -desfazer objetos para transformá-los em outros - quais as consequências disso na produção industrial como a conhecemos hoje? Em paralelo, quando começamos a misturar coordenadas geográficas com a internet móvel, que tipo de serviço pode emergir? Locais físicos podem enriquecidos com camadas de informação. E como a ciência de garagem pode enriquecer o aprendizado nas escolas públicas? Esqueça o laboratório de química: hoje em dia, com hardware de segunda mão, os alunos podem montar seus próprios microscópios digitais.

Laboratórios Experimentais Locais

Os projetos que levam tecnologias de informação e comunicação às diferentes comunidades do Brasil não podem se limitar a reproduzir os usos já estabelecidos dessas tecnologias - acesso à internet e impressão de documentos. O que precisamos são pólos locais de inovação, dedicados à experimentação e ao desenvolvimento de tecnologias livres. Esses pólos precisam ser descentralizados, mas enredados. Devem tratar de diversos assuntos, não somente acesso à internet: dialogar com escolas, projetos sociais, ambientais e educativos. Precisam acolher coletivos artísticos, engenheiros aposentados, amadores apaixonados, empreendedores sociais, inventores em potencial. Não podem ter medo de gerar renda, criar novos mercados. Precisam configurar-se em laboratórios experimentais locais.

No ano passado eu desenvolvi um projeto chamado RedeLabs, que tinha por objetivo investigar que tipo de laboratório de tecnologia era adequado ao Brasil dos dias atuais. A pesquisa foi documentada em um weblog e um wiki. Entre as minhas conclusões, percebi que a infraestrutura é mero detalhe. Como dizia Daniel Pádua, "tecnologia é mato, o que importa são as pessoas". Ainda assim, precisamos pensar em infraestrutura, mas indo além do trivial. O modelo "computadores, banda larga, impressoras e câmera" é uma resposta adequada à demanda explícita de locais para acesso à internet. Mas temos também que tratar das demandas que não estão explícitas: criar condições para o desenvolvimento de tecnologia livre brasileira. Para isso, precisamos de massa crítica. Além de espaços configurados como pólos de inovação livre, precisamos também dar as condições para o desenvolvimento de jovens talentos.

Hoje em dia, jovens de cidades pequenas que têm potencial precisam migrar para grandes centros em busca de oportunidades. É raro que voltem, levando a uma espécie de êxodo criativo. Mesmo aqueles que chegam às cidades grandes também precisam fazer uma escolha difícil: podem vender seu talento criativo ao mercado - por vezes de maneira equilibrada, mas em muitos casos limitando-se a ajudar quem tem dinheiro a ganhar mais dinheiro, ou então trocando seu futuro por capital especulativo. Podem também tentar usar sua habilidade para ajudar a sociedade - mas viver de precariedade e instabilidade. Essa é uma condição insustentável para um país que tanto precisa de inovação e criatividade. Por que razão uma pessoa jovem, criativa, talentosa e consciente não encontra maneiras viáveis de usar essas qualidades para ajudar a sociedade? Alguma coisa está errada. E não me interessa que isso seja verdade no mundo inteiro. Estamos em uma época de transformações.

O sotaque tecnológico brasileiro

Existem países que nos anos recentes se tornaram emblemáticos da aceleração que as tecnologias possibilitam. A China terceiriza a fabricação de hardware - tem uma vasta oferta de mão de obra, uma população disciplinada e trabalhadora e um estado controlador que reforça essa disciplina, além da "flexibilidade" social, ambiental e de segurança no trabalho. A Índia tem despontado na terceirização de telemarketing - por conta também de grande oferta de mão de obra, associada à educação em língua inglesa - e no desenvolvimento de software, talvez relacionado às suas faculdades que formam mais de uma centena de milhar de engenheiros a cada ano. A Coreia do Sul promoveu grandes avanços na educação e treinamento técnicos e colhe os frutos dessa escolha. E o Brasil? Tive a oportunidade de viajar algumas vezes nos últimos anos para localidades em diversos países - de Manchester a Bangalore. Em toda parte, existe uma grande curiosidade sobre o Brasil - um certo fascínio pela nossa naturalidade em encarar transformações (mais do que isso, um grande desejo pela transformação), pelo caráter iconoclasta de algumas de nossas realizações, pela nossa sociabilidade sem travas. Com base nisso, fico pensando: qual é a nossa característica contemporânea essencial? Antropofágica, certamente. Tropicalista, sim. Criativa?

Até há pouco tempo, se falava que o povo brasileiro não é empreendedor. Essa visão absurdamente preconceituosa está gradualmente mudando, à medida que nosso sotaque criativo é compreendido e tratado como tal. A inovação do cotidiano, presente nos mutirões e nas gambiarras (leia mais sobre gambiologia), vem aos poucos sendo reconhecida não como atraso e sim como vantagem competitiva. Nossa criatividade não se enquadra facilmente nos modelos pré-definidos das chamadas indústrias criativas. Quando falo em criatividade, não me refiro somente à indústria de entretenimento e cultura, baseada na exploração comercial da separação entre criadores e consumidores. Não é aquele "conteúdo" que não se relaciona com o contexto. É, pelo contrário, o espírito inovador que transborda no dia a dia.

Voltando ao ponto anterior -  hoje em dia é possível projetar soluções tecnológicas baseadas em conhecimento livre, disponível abertamente nas redes. Isso aliado a essa criatividade que temos no dia a dia tem o potencial de oferecer saltos tecnológicos consideráveis. A inovação tecnológica tipicamente brasileira (com um quê da sensibilidade criativa da gambiarra) pode ser fomentada nos pólos de inovação baseados em conhecimento livre. Ela pode ajudar a metareciclar as cidades digitais. Isso possibilita que o desenvolvimento de tecnologias dialogue com as diferentes realidades locais.

Todos sabemos o que acontece quando a tecnologia é desenvolvida sem contato com o cotidiano. Ela fica espetacular, alienada e homogênea. Vamos trazer a inovação tecnológica de volta ao dia a dia, fazer com que ela seja não somente lucrativa mas também relevante. Que ajude a construir a sociedade conectada que queremos. Temos a oportunidade de provocar uma onda de criatividade aplicada em todas as regiões do país. Temos a oportunidade de provar que o Brasil é digno da fama de país do futuro. Mas precisamos decidir qual é o futuro que queremos. Já deixamos de lado os futuros imaginários da guerra fria. Nosso futuro pode ser um futuro participativo, socialmente justo, que reconheça mérito, talento e dedicação. Precisamos da coragem para fazê-lo. Aqui do meu pretenso pólo local de tecnologias livres no litoral de São Paulo, me alisto para essa missão.

Leia a primeira parte desse texto aqui.

Gambiologia - A criatividade que nos faz humanos

Escrevi esse texto para o catálogo da mostra Gambiólogos, que aconteceu mês passado em BH.

Três minutos antes da abertura, artistas e integrantes da equipe de montagem ainda subiam e desciam as escadas do espaço Centoequatro carregando ferramentas e material. Atenção totalmente concentrada na solução de questões de última hora. Não poderia ser diferente. Fred Paulino, idealizador e curador da exposição, conta que o Gambiociclo, peça sua com Paulo Henrique 'Ganso' e Lucas Mafra que indica o caminho para a sala, é um trabalho em progresso - ela se transforma, ganha novos elementos, evolui ao longo de cada iteração. Faz parte da maneira gambiológica de fazer as coisas: sempre em transformação.

Antes mesmo de entrar na sala, um tapete feito de teclados de computador dá o tom lúdico, irônico e iconoclasta que emerge da exposição. Só quem já experimentou entende o prazer secreto de pisar em computadores, e os Gambiólogos resolveram compartilhar essa sensação com os visitantes. Como os exemplos de gambiarra abundam nas culturas brasileiras, Fred traçou uma linha para a seleção: as obras precisariam envolver (e questionar) tecnologias. A primeira impressão ao circular pela mostra evoca justamente o questionamento do determinismo tecnológico - a suposta autoridade dos fabricantes de qualquer produto em encerrar seus usos possíveis. Na Gambiologia, a afirmação "isso serve para..." é substituída pela questão: "o que pode ser feito com isso?". Essa inversão está presente nas colagens de artefatos como o "Gabinete de Curiosidades Jean Baptiste 333" ou o "Trigger de Objetos Cotidianos". São reeditados também alguns já conhecidos contrastes ou tensões contemporâneas: analógico/elétrico ("Furadeiras"), analógico/eletrônico ("Desconcerto"), abstrato/sensível ("Sequenciador de Papelão + V^2"). Outras obras ainda incorporam um maior grau de complexidade ("Performance de desenho autônomo", "Self stimulating closed loop", "Eyewriter"), mas sem fugir do componente funcional e estético da baixa tecnologia.

Mais do que mero elogio da precariedade, a Gambiologia promove uma confluência entre a valorização da sensibilidade do artesão - o manuseio, o conhecimento tácito, os materiais -, o reuso como caminho inclusive para a redução do impacto ambiental, o ativismo midiático e o experimentalismo criativo. Como pode ser efetivamente ouvido e sentido na mostra, a Gambiologia dialoga com os mundos do design e da arte, como um lembrete daquele impulso criador que opera no ruído, no improviso, na cacofonia e na exploração da indeterminação - eterna tentativa de dominar e superar o programa da máquina, como sugeria Flusser. Aquilo que no "mundo real", longe das exposições de arte, é instintivo - a adaptação criativa às circunstâncias - vira aqui um caminho estético consciente, que incorpora uma reflexão ética e política, crítica do consumismo insustentável, do mundo superficial da pose e das aparências. Que não se confunda a gambiologia com o design vernacular. Enquanto este captura elementos do cotidiano, aquela traz a criatividade tácita das ruas para dentro do próprio processo de criação e desenvolvimento. Ela configura também uma ponte de ligação entre essa potência criativa de inspiração popular brasileira com tendências que têm emergido recentemente em todo o mundo - a cena maker, as plataformas de hardware aberto como o Arduino, os laboratórios de prototipagem e fabricação.

O que pode surpreender no trabalho dos Gambiólogos é a familiaridade quase primitiva que ele emana - uma certa organicidade e a certeza do potencial de interconexão e recombinação entre os elementos constituintes de todas as obras expostas. Surge a sensação de que tudo ali pode ser reinterpretado, remanejado, remixado. As peças trabalham com uma diversidade de materiais: canos, papelão, computadores, hardware e software livre, latas de spray, câmeras, garrafas, motores de passo, sensores, liquidificadores, silver tape e por aí vai. Um hipotético exercício colaborativo de reconstrução - em que se desmontassem todas as obras e convocassem os artistas para criar outras com os mesmos materiais - seguramente resultaria em outros trabalhos interessantes e questionadores. O espírito gambiológico está mais na atitude de enxergar o mundo como repleto de recursos interpretáveis de múltiplas formas do que nas escolhas específicas de cada obra.

A gambiarra está associada ao tipo de adaptabilidade que em última instância nos faz humanos - observar o entorno e, com o que temos à mão, solucionar problemas. É um conhecimento ancestral, que até há pouco aparecia espontaneamente nas culturas brasileiras como resultado da precariedade. Os eventuais bons mares do crescimento econômico, da redistribuição de renda e da maior oferta de produtos manufaturados não podem nos deixar esquecer dessa sabedoria cada vez mais necessária em um mundo de crises econômicas, colapso ambiental e demanda por criatividade. Iniciativas como a mostra Gambiólogos estão aí para nos recordar disso.

 

 

GamBHiólogos

No dia seguinte ao encerramento do Fórum da Cultura Digital Brasileira (onde organizei o encontro Rede//Labs e um painel internacional sobre laboratórios experimentais e cultura digital), tomei um avião para BH. Fred Paulino e Lucas Mafra da Gambiologia tinham me convidado para a abertura (e para escrever um texto para o catálogo) da mostra Gambiólogos, que fazia parte do Arte.Mov BH.

O dia da viagem foi atribulado: logo de manhã, antes de sair para o aeroporto, tive a notícia de que um grande amigo da família havia falecido em sua casa no interior do RJ. Para completar, era justamente a semana que completaria um ano do falecimento do @dpadua, e eu estava indo para a cidade onde ele cresceu. Engoli as lágrimas (o que na semana seguinte me trouxe uma típica dor de garganta) e fui. Eu ficaria bem no centro de BH, no hotel Othon - em um quarto que por algum motivo me fez pensar na casa da minha avó, talvez pelos móveis de banheiro dos anos setentas.

No fim da tarde, me encaminhei para o espaço Centoequatro. A mostra gambiólogos ainda estava sendo montada. Fiquei circulando pelo espaço até a hora da abertura. Encontrei Bruce Sterling circulando por lá, me apresentei pra ele, ouvi aquele sotaque texano rasgado perguntando onde encontraria um café. Na hora da abertura, dei mais uma passada na sala onde rolava o gambiólogos. Depois eu publico aqui o texto que mandei para o catálogo. Gostei bastante da mostra, com uma boa diversidade de peças - das mais conceituais às mais práticas, e uma linha coerente na seleção e montagem. Dei uma passada pela mostra do Arte.mov no térreo, que tinha algumas coisas bem interessantes. Tive finalmente a oportunidade de conhecer Rita e Linus, que chegaram por lá com Drica Veloso, Lu e CHGP. Encontrei de novo alguns amigos que tinha visto na mesma semana durante o encontro Rede//Labs. 

No dia seguinte, ainda encontrei o Sterling outra vez no café da manhã do hotel. Fui lá tietar um pouco, pedi um autógrafo pra guardar na minha edição de 1990 do Piratas de Dados (sic). Eu não fazia ideia que a simpática dama à sua frente na mesa era Jasmina Tesanovic, com quem eu estaria em um debate na semana seguinte em sampa. Peguei meu autógrafo e rumei pro aeroporto, feliz com o dia ensolarado.

 

Gambiologia - AVLAB / CCJ

Estou saindo daqui a pouco para o CCJ, onde vai rolar a terceira edição brasileira do AVLAB. O AVLAB surgiu no Medialab Prado, em Madrid. Eu participei de uma das edições por lá, em 2008. Daniel Gonzales trouxe o formato para o Brasil em parceria com o Centro Cultural da Espanha, e convidou a mim e à Maira para organizarmos o encontro de hoje, tendo a gambiologia como eixo.

Os convidados serão Daniel Hora, Teia Camargo & Gera Rocha, e Glauco Paiva. Em paralelo vamos aproveitar para lançar o metalivro Gambiologia, que deve estar saindo em PDF nas próximas horinhas...

Mais sobre a programação aqui.

O AVLAB começa às 17hs. O CCJ fica na Av. Deputado Emílio Carlos 3641 - Vila Nova Cachoeirinha.

Meio post - ciência, DIY, garagem e bairro

Na semana que vem, atravesso o Atlântico mais uma vez. Vou participar do Labtolab no Medialab Prado, em Madrid. Vou estar lá focado principalmente na pesquisa RedeLabs, mas certamente com um olho colado na programação do Interactivos, que começa na mesma época. Nessa edição, o tema do Interactivos é ciência de bairro - como extensão do campo da "ciência de garagem" que tem aparecido cada vez mais por aí. Mesmo antes de saber do Labtolab, eu já estava querendo escrever alguma coisa sobre essa transição - da garagem para o bairro, da transição entre o espaço privado e o entorno - e a relação que isso pode ter com uma revitalização da própria ideia de comunidade - explorar curiosidades e aprendizados, levantar a indeterminação gambiológica, criar laços, trazer segurança e troca. Mas não consegui parar pra escrever, e acho que não vou conseguir tão cedo. Então vou colar aqui embaixo alguns links que tinha coletado pra ilustrar o raciocínio. Um dia eu retomo isso e escrevo. >>Leia mais

Refotografia n'O Bigode do Gato

Guilherme Maranhão foi entrevistado para o podcast O Bigode do Gato. Ele conta um pouco sobre a refotografia e suas fotos com scanners desmontados. Gostei da entrevista, parabéns ao Guilherme e a quem faz o Podcast (que na real é um Videocast, né?).

O bigode do gato 007 - re-fotografia. from Guilherme Outsuka on Vimeo.

Arte Hackeamento

 Daniel Hora defende essa semana sua dissertação de mestrado sobre Arte Hackeamento. Um dos focos da pesquisa é a rede MetaReciclagem e por tabela o Desvio. Já dei uma passada de olhos na dissertação, e pretendo ler nas próximas semanas. Enquanto isso, desejamos ao Daniel boa sorte na defesa!

Tinkering

No post sobre o Makers, eu comentei que tinha ficado pensando na  tradição brico-fazedora-hacker" norte-americana, à qual eu nunca dei muita atenção. Acabei de receber pela lista bricolabs um artigo do WSJ sobre o  retorno do tinkering em meio à crise . Tinkering é um termo que se relaciona com a nossa gambiarra - tem a ver com consertar, remendar, brincar, fuçar. Já comentei por aí sobre a tinkering school e o tinker.it.

Em um artigo que eu e Hernani escrevemos ano passado, comentamos que "a repressão ao impulso inventivo cotidiano causa uma insatisfação que acaba sendo canalizada para atividades criativas. Inventores e inventoras em potencial buscam reconhecimento e troca em seus pares, e a gambiarra renasce . Parece óbvio que todo o cenário de crise econômica e a perda de confiança no eterno crescimento do consumismo trariam mais cedo ou mais tarde um reflexo inventivo. O próprio argumento que a gente costuma usar pra situar as práticas de gambiarra no mundo é que no Brasil a gente teve que aprender desde cedo a lidar com a instabilidade e a precariedade - e isso nos faz desenvolver um tipo de habilidade que as culturas dos países mais ricos de alguma forma foram perdendo com o tempo. Mas confesso que minha referência é um pouco bitolada nos contrastes entre Brasil e Europa, me interessa saber como as culturas nortamericanas se articulam nisso tudo. Alguém tem mais pistas?

Fazedorxs

Makers - CapaAproveitei o carnaval para terminar de ler Makers, que eu já tinha mencionado no post do debate sobre Gambiologia. Eu fiquei sabendo do livro via twitter (mas não lembro através de quem), em novembro: alguém comentou que o próximo livro de Cory Doctorow sairia também em episódios semanais no Tor.com. A única coisa que eu tinha lido dele até então eram alguns posts no Boingboing e o Scroogled (em português aqui). O primeiro episódio, que já começa dedicado a "quem toma riscos, xs fazedorxs de coisas". Li no site até o terceiro e gostei. Fui lá na amazon e encomendei o livro antes mesmo de ser lançado. Ele chegou aqui em Ubatuba no começo de dezembro. Resolvi deixá-lo de lado para ler no meu recesso de fim de ano, mas o reveillon molhado não me deixou muito tempo pra isso. Acabei pegando pra ler mesmo só nas últimas semanas.

Apesar de situado em um contexto bem diferente - Estados Unidos, empreendedorismo capitalista, toda aquela coisa - eu me vi bastante (e à MetaReciclagem) em várias partes da história. Desde o começo, o lance de começar uma coisa despretensiosa, de amigxs compartilhando uma vontade simples - fazer coisas, construir estruturas sem pensar muito em resultados efetivos, descobrir. Depois, a busca de estrutura sem sucumbir à corporificação, à maneira mais aceita de viabilizar as coisas, refletida na tensão entre os fazedores e os executivos. Também o lance da rede, da replicação autônoma, dos esporos comunicantes mas auto-organizados surgindo, e a surpresa que eles causam. Monstro de 1,99A crítica ao consumismo e à indústria da obsolescência. O ativismo pelo uso pleno das tecnologias, o desvio do uso, a apropriação total. E claro, todo o lance de propriedade intelectual vs. cultura livre.

Logo no começo, as esculturas de Perry e Lester me fizeram pensar nos monstros de 1,99 do Glauco Paiva. E, por mais que o final tenha ficado meio solto, o último capítulo tem até uma partida de calvinbol, que simboliza ali a única coisa permanente na história - a sensibilidade do fazer, que tem muito a ver com o que aqui a gente tem chamado de gambiologia. Também fiquei pensando na tradição brico/fazedora/hacker que é tão presente nas culturas norte-americanas, mas à qual eu nunca dei muita atenção. Mas ainda assim, descontadas todas as diferenças culturais e todos os nortamericanismos do lance, foi uma leitura agradável e que mexeu bastante comigo - muita nostalgia dos tempos do galpão da MetaReciclagem no Agente Cidadão, e uma sensação de que algumas coisas nunca vão mudar, e de que fazer pouco também é fazer muito.

cybersocial no agente cidadaoLer sobre o cotidiano de Perry e Lester, suas sincronicidades e conquistas, seu afastamento e reencontro, sua amizade e complementaridade, também me fez pensar bastante no Dalton. Saudades do tempo em que as coisas eram mais simples - ou era a gente que se preocupava menos?

À história então... (pulando o parágrafo para quem quer evitar spoilers)... >>Leia mais