Blog de efeefe

Gambiologia - A criatividade que nos faz humanos

Escrevi esse texto para o catálogo da mostra Gambiólogos, que aconteceu mês passado em BH.

Três minutos antes da abertura, artistas e integrantes da equipe de montagem ainda subiam e desciam as escadas do espaço Centoequatro carregando ferramentas e material. Atenção totalmente concentrada na solução de questões de última hora. Não poderia ser diferente. Fred Paulino, idealizador e curador da exposição, conta que o Gambiociclo, peça sua com Paulo Henrique 'Ganso' e Lucas Mafra que indica o caminho para a sala, é um trabalho em progresso - ela se transforma, ganha novos elementos, evolui ao longo de cada iteração. Faz parte da maneira gambiológica de fazer as coisas: sempre em transformação.

Antes mesmo de entrar na sala, um tapete feito de teclados de computador dá o tom lúdico, irônico e iconoclasta que emerge da exposição. Só quem já experimentou entende o prazer secreto de pisar em computadores, e os Gambiólogos resolveram compartilhar essa sensação com os visitantes. Como os exemplos de gambiarra abundam nas culturas brasileiras, Fred traçou uma linha para a seleção: as obras precisariam envolver (e questionar) tecnologias. A primeira impressão ao circular pela mostra evoca justamente o questionamento do determinismo tecnológico - a suposta autoridade dos fabricantes de qualquer produto em encerrar seus usos possíveis. Na Gambiologia, a afirmação "isso serve para..." é substituída pela questão: "o que pode ser feito com isso?". Essa inversão está presente nas colagens de artefatos como o "Gabinete de Curiosidades Jean Baptiste 333" ou o "Trigger de Objetos Cotidianos". São reeditados também alguns já conhecidos contrastes ou tensões contemporâneas: analógico/elétrico ("Furadeiras"), analógico/eletrônico ("Desconcerto"), abstrato/sensível ("Sequenciador de Papelão + V^2"). Outras obras ainda incorporam um maior grau de complexidade ("Performance de desenho autônomo", "Self stimulating closed loop", "Eyewriter"), mas sem fugir do componente funcional e estético da baixa tecnologia.

Mais do que mero elogio da precariedade, a Gambiologia promove uma confluência entre a valorização da sensibilidade do artesão - o manuseio, o conhecimento tácito, os materiais -, o reuso como caminho inclusive para a redução do impacto ambiental, o ativismo midiático e o experimentalismo criativo. Como pode ser efetivamente ouvido e sentido na mostra, a Gambiologia dialoga com os mundos do design e da arte, como um lembrete daquele impulso criador que opera no ruído, no improviso, na cacofonia e na exploração da indeterminação - eterna tentativa de dominar e superar o programa da máquina, como sugeria Flusser. Aquilo que no "mundo real", longe das exposições de arte, é instintivo - a adaptação criativa às circunstâncias - vira aqui um caminho estético consciente, que incorpora uma reflexão ética e política, crítica do consumismo insustentável, do mundo superficial da pose e das aparências. Que não se confunda a gambiologia com o design vernacular. Enquanto este captura elementos do cotidiano, aquela traz a criatividade tácita das ruas para dentro do próprio processo de criação e desenvolvimento. Ela configura também uma ponte de ligação entre essa potência criativa de inspiração popular brasileira com tendências que têm emergido recentemente em todo o mundo - a cena maker, as plataformas de hardware aberto como o Arduino, os laboratórios de prototipagem e fabricação.

O que pode surpreender no trabalho dos Gambiólogos é a familiaridade quase primitiva que ele emana - uma certa organicidade e a certeza do potencial de interconexão e recombinação entre os elementos constituintes de todas as obras expostas. Surge a sensação de que tudo ali pode ser reinterpretado, remanejado, remixado. As peças trabalham com uma diversidade de materiais: canos, papelão, computadores, hardware e software livre, latas de spray, câmeras, garrafas, motores de passo, sensores, liquidificadores, silver tape e por aí vai. Um hipotético exercício colaborativo de reconstrução - em que se desmontassem todas as obras e convocassem os artistas para criar outras com os mesmos materiais - seguramente resultaria em outros trabalhos interessantes e questionadores. O espírito gambiológico está mais na atitude de enxergar o mundo como repleto de recursos interpretáveis de múltiplas formas do que nas escolhas específicas de cada obra.

A gambiarra está associada ao tipo de adaptabilidade que em última instância nos faz humanos - observar o entorno e, com o que temos à mão, solucionar problemas. É um conhecimento ancestral, que até há pouco aparecia espontaneamente nas culturas brasileiras como resultado da precariedade. Os eventuais bons mares do crescimento econômico, da redistribuição de renda e da maior oferta de produtos manufaturados não podem nos deixar esquecer dessa sabedoria cada vez mais necessária em um mundo de crises econômicas, colapso ambiental e demanda por criatividade. Iniciativas como a mostra Gambiólogos estão aí para nos recordar disso.

 

 

Simpósio Arte.mov

Não consegui estar presente no Simpósio do Arte.mov de São Paulo, e na única noite que tinha livre em casa tentei ver algumas das apresentações pelo stream. Digo tentei, porque só consegui encontrar o stream com áudio da tradução simultânea, e era praticamente impossível assisti-lo. Fiz um esforço grande para acompanhar a apresentação do meu amigo Andrés Burbano e tentei ver Mark Shepard falando sobre a Sentient City (mas desisti depois de alguns minutos). 

O blog do Arte.mov conta um pouco sobre a provocadora palestra de Burbano:

(...) Andres discorreu sobre a história da tecnologia, seu desenvolvimento através dos séculos e sua importância para o desenvolvimento da ciência. >>Leia mais

Jasmina Tešanović - Arte.mov

O pessoal do Arte.mov me convidou para ser moderador, junto com Bruna Calegari, de uma conversa com Jasmina Tešanović na semana passada, no CINUSP. Jasmina é sérvia, ativista de mídia de longa data, que teve um papel importantíssimo durante a guerra do Kosovo (e a perseguição de Slobodan Milosevic contra outros povos da ex-Iugoslávia). Ela é autora de diversos livros, entre eles o Diary of a Political Idiot. Esteve envolvida com a rádio B92 e com a organização pacifista feminista Women in Black. É casada com Bruce Sterling.

Gisela Domschke, que organizou a conversa, chamou também pessoas envolvidas com diversas iniciativas no Brasil: Pajé, Rogério Borovik e outros. Também estavam presentes Almir Almas e Lucas Bambozzi, além de vários convidados internacionais do Arte.mov e do próprio Bruce Sterling.

O vídeo da conversa está incorporado no fim desse post. Eu, particularmente, não gostei da minha participação. Não conhecia muito bem o trabalho dela, e fiquei patinando pra encontrar pontos de contato, sem muito sucesso. Mas posso indicar alguns momentos que achei mais interessantes na fala dela. >>Leia mais

Anilla Cultural - CCSP

Em 24 de novembro, o Centro Cultural da Espanha e o Centro Cultural Vergueiro organizaram um debate sobre "Possibilidades criativas na internet de segunda geração", como parte do projeto Anilla Cultural - que está integrando instituições culturais da América Latina e Espanha através de internet (muito) rápida. Os convidados eram Giselle Beiguelman, Janete El Haouli, Lali Krotoszynski e Lucas Bambozzi, moderados por Miguel Gondim de Castro.

Giselle trouxe o referencial da tecnofagia. Falou sobre o Gregório Praia Ipanema, sobre o Eita, Porra e mais algumas coisas. Janete compartilhou experiências com rádio experimental. Lali contou de suas experiências com dança, rolando simultaneamente em lugares diferentes. Lucas Bambozzi mencionou diversas ações de arte em rede que realizou desde os anos noventa, sugerindo que estamos em um momento de descoberta e invenção - não temos referências sobre o que vem por aí, é necessário testar diversas possibilidades. >>Leia mais

GamBHiólogos

No dia seguinte ao encerramento do Fórum da Cultura Digital Brasileira (onde organizei o encontro Rede//Labs e um painel internacional sobre laboratórios experimentais e cultura digital), tomei um avião para BH. Fred Paulino e Lucas Mafra da Gambiologia tinham me convidado para a abertura (e para escrever um texto para o catálogo) da mostra Gambiólogos, que fazia parte do Arte.Mov BH.

O dia da viagem foi atribulado: logo de manhã, antes de sair para o aeroporto, tive a notícia de que um grande amigo da família havia falecido em sua casa no interior do RJ. Para completar, era justamente a semana que completaria um ano do falecimento do @dpadua, e eu estava indo para a cidade onde ele cresceu. Engoli as lágrimas (o que na semana seguinte me trouxe uma típica dor de garganta) e fui. Eu ficaria bem no centro de BH, no hotel Othon - em um quarto que por algum motivo me fez pensar na casa da minha avó, talvez pelos móveis de banheiro dos anos setentas.

No fim da tarde, me encaminhei para o espaço Centoequatro. A mostra gambiólogos ainda estava sendo montada. Fiquei circulando pelo espaço até a hora da abertura. Encontrei Bruce Sterling circulando por lá, me apresentei pra ele, ouvi aquele sotaque texano rasgado perguntando onde encontraria um café. Na hora da abertura, dei mais uma passada na sala onde rolava o gambiólogos. Depois eu publico aqui o texto que mandei para o catálogo. Gostei bastante da mostra, com uma boa diversidade de peças - das mais conceituais às mais práticas, e uma linha coerente na seleção e montagem. Dei uma passada pela mostra do Arte.mov no térreo, que tinha algumas coisas bem interessantes. Tive finalmente a oportunidade de conhecer Rita e Linus, que chegaram por lá com Drica Veloso, Lu e CHGP. Encontrei de novo alguns amigos que tinha visto na mesma semana durante o encontro Rede//Labs. 

No dia seguinte, ainda encontrei o Sterling outra vez no café da manhã do hotel. Fui lá tietar um pouco, pedi um autógrafo pra guardar na minha edição de 1990 do Piratas de Dados (sic). Eu não fazia ideia que a simpática dama à sua frente na mesa era Jasmina Tesanovic, com quem eu estaria em um debate na semana seguinte em sampa. Peguei meu autógrafo e rumei pro aeroporto, feliz com o dia ensolarado.

 

AVLAB - Gambiologia - Vídeos

Já estão disponíveis os vídeos do encontro AVLAB que eu e Maira organizamos no CCJ no mês passado, com Gera Rocha, Daniel Hora e Glauco Paiva.

AVLAB São Paulo #3 Gambiolgia - pt.01 from Centro Cultural da Espanha-AECID on Vimeo.

AVLAB São Paulo #3 Gambiologia - pt.02 from Centro Cultural da Espanha-AECID on Vimeo.

 

Labtolab - dia a dia

Estive em Madrid em Junho para participar do Labtolab, encontro de medialabs europeus (com muitos convidados latinoamericanos). Comecei a contar as prévias e a viagem aqui. Esse post é um relato do que rolou durante a semana que estive por lá. Ainda quero escrever outro com minhas reflexões sobre o processo.

Pantalla DigitalNo começo da tarde da segunda-feira, caminhei até a Plaza de las Letras. O Medialab Prado fica atualmente no subsolo da praça, com janelas viradas para uma rampa de acesso. Em um dos cantos da praça, uma tela digital gigantesca decora a parede do que virá a ser a nova sede do Medialab, com instalações quatro ou vezes maiores do que hoje em dia.

Descendo a rampa, já vi a programação do mês estampada na janela em letras adesivas, um detalhe sutil que mostra a preocupação do Medialab em ter uma interface pública, em vez de fechar-se no próprio umbigo. Em frente à escada que dá acesso ao subsolo, mais uma tela onde sempre está rodando alguma obra interativa. Abri a pesada porta. Logo na entrada, um monte de armários de tela com equipamentos e materiais, à esquerda. No lado oposto, o balcão de recepção, com material da programação corrente.

Programação Medialab Prado >>Leia mais

Gambiologia - AVLAB / CCJ

Estou saindo daqui a pouco para o CCJ, onde vai rolar a terceira edição brasileira do AVLAB. O AVLAB surgiu no Medialab Prado, em Madrid. Eu participei de uma das edições por lá, em 2008. Daniel Gonzales trouxe o formato para o Brasil em parceria com o Centro Cultural da Espanha, e convidou a mim e à Maira para organizarmos o encontro de hoje, tendo a gambiologia como eixo.

Os convidados serão Daniel Hora, Teia Camargo & Gera Rocha, e Glauco Paiva. Em paralelo vamos aproveitar para lançar o metalivro Gambiologia, que deve estar saindo em PDF nas próximas horinhas...

Mais sobre a programação aqui.

O AVLAB começa às 17hs. O CCJ fica na Av. Deputado Emílio Carlos 3641 - Vila Nova Cachoeirinha.

Meio post - ciência, DIY, garagem e bairro

Na semana que vem, atravesso o Atlântico mais uma vez. Vou participar do Labtolab no Medialab Prado, em Madrid. Vou estar lá focado principalmente na pesquisa RedeLabs, mas certamente com um olho colado na programação do Interactivos, que começa na mesma época. Nessa edição, o tema do Interactivos é ciência de bairro - como extensão do campo da "ciência de garagem" que tem aparecido cada vez mais por aí. Mesmo antes de saber do Labtolab, eu já estava querendo escrever alguma coisa sobre essa transição - da garagem para o bairro, da transição entre o espaço privado e o entorno - e a relação que isso pode ter com uma revitalização da própria ideia de comunidade - explorar curiosidades e aprendizados, levantar a indeterminação gambiológica, criar laços, trazer segurança e troca. Mas não consegui parar pra escrever, e acho que não vou conseguir tão cedo. Então vou colar aqui embaixo alguns links que tinha coletado pra ilustrar o raciocínio. Um dia eu retomo isso e escrevo. >>Leia mais

Lift 10 - Documentação gráfica

Uma das coisas interessantes da Lift foi a documentação gráfica: uma equipe transformava os assuntos mais importantes de cada apresentação em um infográfico, que era depois exibido em um mural. Abaixo o que fizeram pra minha palestra, e mais um monte aqui.

Documentação Gráfica